2.11.04

Demasiada Clareza Cega. (carta a Pacheco Pereira)

Pacheco Pereira no post "para que fique claro" escreveu o seguinte:
"Se fosse americano, votaria Bush. Fica dito, até porque é muito possível que ganhe Kerry. Não vale a pena somar muitas explicações ao que tenho vindo a dizer nos últimos anos. Kerry trará confusão e hesitação numa política de guerra que não sobrevive sem determinação. No dia seguinte, os assassinos da Al Qaida e do Baas começarão a retirar as lições e a jogar tudo por tudo no terror. Bush trará excessos e erros, como no passado, mas manterá o rumo numa política que é a única que hoje defronta o terrorismo apocalíptico na sua essência. "
Não consigo entender como é que Pacheco Pereira, um homem inteligente e culto, um homem de letras, que em princípio terá uma natureza mais reflexiva do que intempestiva, consegue escrever o que escreveu. Conseguiria entender o não apoio a Kerry. O que não percebo é o apoio a Bush

Pacheco diz que se fosse americano votava em Bush porque é preciso determinação para que esta política de guerra sobreviva. Mas caro JPP, um homem de letras como o senhor, deverá concordar que a melhor determinação é aquela que nasce não só da reflexão e do conhecimento mas também da flexibilidade e da grandeza de espírito. Nenhum atributo pelo qual Bush será lembrado. Bush não é determinado é sim obstinado e não tem nem nunca terá grandiosidade para reconhecer um erro.

Aquilo que Pacheco Pereira chama de erros e excessos são no mínimo cem mil mortos ( artigo- Mortality before and after the 2003 invasion of Iraq: cluster sample survey– da revista Lancet Medical Journal) ,que não são números, mas pessoas como eu e você. Cem mil por causa de uma mentira. Cem mil por causa de muitos negócios.

Sempre tomei JPP por um homem desprendido de arrogância intelectual. Mas parece-me que com este post, também mostra ter dificuldade em aceitar que errou nas suas teses anteriores e tenta seguir obstinadamente em frente. Só assim consigo perceber que não apoie Santana Lopes e apoie Bush. (são ambos pessoas impreparadas para os lugares que ocupam e demasiado permeáveis a forças e influências perigosas. Bush foi alias inventado por essas forças)

O mundo está melhor, mais seguro depois da invasão do Iraque? Duvido que a sua honestidade intelectual lhe permita responder que sim.

Pacheco Pereira fala da necessidade de vencer o terrorismo apocalíptico. Será que não se apercebe que para o comum cidadão iraquiano ou do mundo arábe, terrorismo apocalíptico é exactamente o que anda a fazer o sr.Bush. Ou será que a JPP isto não lhe interessa porque se trata de ou “nós” ou “eles”? Explique-me por favor.

Bush é tão perigoso e capaz das piores atrocidades quanto Bin Laden. Mas, pelo diferença de poder que um e outro representam, a verdadeira democracia está muito mais ameaçada pelo primeiro do que pelo segundo.
Independentemente de quem ganhar as eleições, regozijo-me pelo facto de que a gigantesca maioria dos intelectuais americanos de todas as áreas do conhecimento humano, (das ciências puras e básicas, passando pelas letras, até as artes) e que representam aquilo que a humanidade tem de melhor, não concordarem com Pacheco Pereira.
Mas se calhar, e será outra justificação, Pacheco Pereira tem um gosto especial em estar contra a corrente, contra o senso comum, contra o politicamente correcto. Só que as vezes- só algumas vezes- o senso comum e o bom senso coincidem. De qualquer forma, Pacheco Pereira deveria ter cuidado com toda essa clareza, essa luminosidade, pois corre o risco de cegar.
Sacha Joffre

6 Comments:

At 12:39 AM, Blogger Horácio said...

Pouco me resta a dizer acerca das eleições Americanas. Se Bush ganhar, teremos a continuidade de um “projecto” elabora por um louco com delírios messiânicos; se Kerry ganhar, então poderemos dizer que o niilismo, até então característico da velha Europa, chegou aos Estados Unidos.

Horácio

 
At 1:15 AM, Blogger Sacha said...

Acho que percebo o que o Horácio quer dizer. Se Kerry ganhar terá sido um voto em favor do Não-Bush ao invês de um "novo valor".

Percebo, mas não concordo. Porque bush é que é o não valor original. Bush é que é o nada (que depois se potenciou e passou a existir como um "mau valor" por causa do 11 de set). Mas Bush é que é o não valor original. Bush no início era nada, Bush era dinheiro e interesses anónimos.

Votar em Kerry será votar no "não-Bush". Mas esse "não-bush" significam muitos e positivos valores: democracia, tolerância, liberdades individuais, dialogo, respeito e curiosidade pelas culturas do mundo. Tudo isto é o "não-Bush"

Percebo se o Horácio discordar.

 
At 6:22 AM, Anonymous Anonymous said...

Sacha, concordo plenamente com o que escreves-te no blog. E tambem posso concordar com o que o Horacio quer dizer dentro do seguinte contexto: Nao e so o Bush e o Kerry que estao a concorrer as Eleicoes. Ha outros candidatos. Votar so Bush ou Kerry e uma actitude de rebanho. As pessoas nao querem pensar, e nem se preocupam em procurar algo melhor do que um dos dois candidatos, que os milhoes de USD gastos os tornaram pop stars da politica.
David

 
At 4:06 PM, Blogger Sacha said...

David, acho que o problema é a própria maneira como a "democracia" amaericana esta organizada. Também eu, como já disse algumas vezes, não acho sequer Kerry o melhor candidato. Kerry é, na direita o candidato mais responsável e mais preparado. O meu candidato seria Ralph Nader.

No entanto na democracia americana, como tu sabes, as pessoas não votam segundo o principio um homem, um voto. Votam nos chamados "grande eleitores", num colégio eleitoral. Consoante a grandeza dos estados, estes têm mais ou menos eleitores neste colégio. Mas, para mim, o pior, o que distorce mais a democracia americana não é este facto. O pior é que na democracia americana o "winner takes all" ou seja, se um estado com 5 milhões de pessoas eleger 5 "grandes eleitores" (ou seja 5 votos) se 2 milhoes votarem em A e 3 votarem em B, os 5 votos do estado vão inteiramente para B que ganhou. OU seja o voto de 2 milhões de pessoas vai para o lixo. Asim fica muito difícil que não haja bipolarização.

Tenho as minhas dúvidas que esta forma de eleger alguém seja verdadeiramente democrática. Percebo o contexto historico (sec XIX) em que precisou de ser assim, mas penso que perverte os resultados.

O comentador Nuno Rogeiro, alguém insuspeito, salientava ontem que da maneira como as coisas funcionam nos Estados Unidos, é possível um presidente ser eleito por maioria do colégio eleitoral e só ter o correspondente a 20% dos votos da população. Ora, embora se calhar isto nunca tenha acontecido, mostra como este sistema esta errado, do meu ponto de vista.

 
At 4:47 PM, Anonymous Anonymous said...

Discordo contigo quanto à critica ao sistema eleitoral Americano. Na sua história democratica apenas 4 vezes tal se sucedeu nos Estados Unidos, ie, que um presidente tivesse sido eleito sem o voto maioritário da população e com os votos do colégio eleitoral. E tal não significa que este processo esteja errado. Acrescentava que o colégio eleitoral não cai do céu.

Silvo Henriques

 
At 6:27 PM, Anonymous Anonymous said...

Não será 4 vezes demais?

Sacha

 

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