6.11.06

Uma Explicação

É facil constatar que está blog tem estado tão inactivo que, em termos prácticos, está mesmo desactivado. Tal deve-se a razões profissionais e pessoais dos membros. Talvez por razões afectivas ainda não tenhamos decidido crema-lo e deitar as suas cinzas para o cyberspace.
Enquanto tal não acontece ele vai teimosamente mantendo as mínimas funções vitais ligado ao ventilador da difusão do bom som da KCSM Jazz radio.

3.4.06

paralelos

A propósito de emigrantes ilegais e refugiados políticos e de como a perspectiva pode mudar dependendo de quem é o "estrangeiro" nós ou os outros lembrei-me de uma das curtas de Ambrose Bierce:

Um paralelo radical

Alguns Cristãos Brancos, intentando expulsar os Pagãos Chineses de uma cidade norte-americana, encontraram um periódico publicado em Pequim e compeliram uma das vítimas a traduzir o editorial. Este consistia num apelo às gentes da província de Pang Ki para que expulsassem os demónios estrangeiros da região, queimando ao mesmo tempo as suas residências e igrejas. Uma tal evidência da barbárie mongol enfureceu tanto os Cristãos Brancos que estes decidiram levar por diante o seu propósito inicial.


Ambrose Bierce , Esopo emendado e outras fábulas fantásticas, trad de Fernando Gonçalves, Antígona

16.12.05

Bicadas Presidenciais III

Monólogo do Professor Doutor Cavaco Sebastião ( com uma pequena interrupção do Deputado Economista Francisco), .

ProfessorCavaco Sebastião, falando para todas as estações radiofónicas e televisivas:

Portugueses, Os portugueses sabem....O Cavaco é bom. O Cavaco não faz mal. O Cavaco faz o bem. Antigamente o Cavaco raramente tinha dúvidas e nunca se enganava, agora há um upgrade: O Cavaco agora nunca tem dúvidas e raramente se engana.
Eles falam mal do Cavaco, porque não tem melhores argumentos. O Cavaco não diz nada porque não precisa argumentar com eles. Para quê? Os portugueses já sabem. Os portugueses não se deixam convencer. Os portugueses já estão convencidos: o Cavaco é bom. O Cavaco conhece os jovens , o Cavaco dá aulas , o Cavaco conhece as jovens, o cavaco dá aulas. O Cavaco sabe: Sabe quais são os anseios da juventude, mas também sabe quais são os anseios da meia idade, e também os anseios dos idosos. E todos sabem: O Cavaco é que vai desbloquear. O Cavaco é uma força. Uma força de desbloqueio. O Cavaco é um força bruta de desbloqueio. Como diz a juventude: o Cavaco parte a loiça toda. Mas lá em casa o cavaco é um bom chefe de família e por isso não parte loiça nenhuma porque é feio. Os adversários do Cavaco são feios pois são políticos profissionais e todos nós sabemos o que isso significa . Já o Cavaco, é bonito, porque não é politíco profissional, é professor e dá aulas.

Deputado Economista Francisco, interrompendo: Eu também dou aulas

Professor Cavaco Sebastião: Oh meu amigo, vá mas é pichar as paredes da Universidade Nova. Deixe o Cavaco sossegado a falar aos portugueses. Os portugueses querem o cavaco.


Portugueses em coro: Acha que sim? Acha que sim?

Bicadas Presidenciais II

Balzacquiana Judite: ...então mas e quais são diferenças? Quero.... perdão, digo: os portugueses querem saber as diferenças entre vocês. A China, a União Soviética, a Europa, o referendo ao aborto, a legalização da prostituição?

Deputado Economista Francisco : Bem, com sinceridade, a maior diferença desapareceu quando chegamos aqui ao estúdio. E é sobre si. Veja bem Judite: Eu sempre achei que o sua inteligência e talento estão... como direi? .... desperiçados entrevistando políticos . A Judite harmoniza-se mais com programas de entretenimento e variedades, onde poderia ter maiores audiências, já que por descompensação tem muito pouco para entreter os nossos olhos, se é que me entende. Aliás, no que ao resultado do emparelhamento de cromossomas X diz respeito, está bem abaixo da média europeia. Ora, o deputado Camarada Jerónimo estava em desacordo comigo, mas quero notar, para que não me acusem de não ser rigoroso, que hoje dia 15 de novembro de 2005 o Deputado Camarada Jerónimo deu-me razão.

Deputado Camarada Jerónimo: Estou de acordo com o grilo falan...quer dizer com Deputado Economista Francisco. Diria mesmo mais, a Balzacquiana Judite está bem abaixo da média ibérica. ( pensando para consigo: Judite, Judite, continue com esse tipo de atitude e essas perguntas ridículas e vai ver o que vamos dizer de si na próxima festa do avante! )

Bicadas Presidenciais I

-Dr. Mário: Este relógio está bom? Acho que estão-me a roubar minutos

-Dr. jornalista, escritor comentar político e desportivo, Miguel: O senhor dr.Mario já gastou mais dois minutos que o Dr.Manel, e além do mais aqui tudo funciona. (pensando para consigo: Só mesmo os vossos argumentos é que não)

-Dr.Mário: Bem então vou ter de me calar.... ou então, oh Manel dá-me aí uns minutos, pá

-Dr.Manel: estão a ver ? estão a ver? não quer renovar, quer perpetuar-se. A constituição não me obriga a dar-te minutos nenhuns. Queres minutos? Pede-os ao Coelho lá na quadratura do triângulo das bermudas

-Dr.Mário: não sejas egoísta, Pá. Tu não trazes ideias novas, dizes banalidades e eu é que preciso de tempo para falar do Cavaco, já que tu não o fazes.... Eu já disse, não dormirei descansado

-Desgraça Constante: Ele tem ideias novas, Ele tem ideias novas, uma delas é....

-Dr.Manel: Desgraça, deixe-me responder: Todas a gente sabe que se há alguém que dorme em todas e quaisquer circunstâncias é o dr. Mário.

-Desgraça Constante: O que tem a dizer a isto Dr.Mário?

-Dr.Mário: Oh Manel, a tua posição é confusa, o quadrado é confuso e sem ofensa, mas és um egocêntrico inexperiente.

-Desgraça Constante: Dr. Manel, O que tem a dizer? O que fará se o dr.Mário insistir nestas acusações?

-Dr. Manel : posso fazer uma carta a Assembleia da Republica, um comunicado a Nação, convocar o primeiro ministro, ou simplesmente vetar a acusação e manda-la para o tribunal constitucional, ou se calhar pela ordem inversa... Mas por enquanto apenas direi que o Dr.Mário tem tiques monárquicos e uma tosse que é insuportável.

A ler

Sobre a batuta dos jornalistas medíocres - na "fonte do horácio".



Exemplos concretos do que o Horácio fala:

(1) O que o guru Ma(0)ioral dos média portugueses publicou ontem n´O público. O homem acha que a sua zurrapa corrosiva em formato de artigo, destilado a partir do álcool da altivez do seu pseudocientifismo era algo que poderia ser enriquecedor para a reflexão política. No que a arrogância diz respeito, como não tem espelhos em casa, está sempre com o dedo apontado a procura do sua imagem reflectida nos outros.

(2) dois entrevistadores do canal publico de televisão entenderam- talvez para esconder as suas próprias deficiências intelectuais - que a melhor maneira de guiar um debate entre dois candidatos a presidência, deputados da nação, era, num tom omnipresente de displicência, começar com perguntas ofensivas e terminar com esboços caricaturais. Pelo meio a obcessão sobre " as diferenças". Como eleitor e espectador senti vontade de interpelar os desengonçados para lhes dizer que a percepção das diferenças estava- por uma questão de sensibilidade, perspicácia e inteligência - difinitivamente fora do seu alcance.


E ainda dizem que os políticos é que não prestam.

7.11.05

Pac uva, muita parra, man ( Ou Pacman no mundo dos mandatários para a juventude)

Manuel Alegre, um candidato com quem simpatizo, escolheu para mandatário para a juventude o jovem errado. Porquê?

I
Porque é difícil perceber como é que, sendo Alegre um candidato que (1) fala de "valores de esquerda" e da "esquerda dos valores", (2) que tem reflectido de forma crítica e preocupada sobre com os caminhos da globalização (3) que apela a um “redescobrir” dos “valores” e de uma certa “alma” lusitana, escolhe para seu mandatário para a juventude alguém que faz publicidade do “BigMac”donalds. Com toda a simpatia que se possa ter por Pacman, a partir do momento em que é uma “voz da McDonalds”, devia deixa de poder ser uma “voz de Manuel Alegre”. Ou então há qualquer coisa que não bate certo e esta questão, que pode parecer menor, não é. Pelo menos para mim.

II
O debate dos mandatários da juventude, na sexta – feira no "Expresso da meia-noite", na SIC, veio confirmar o desacerto da escolha (erro de casting, como agora sói dizer-se): além desconforto nítido e de uma certa timidez (que até poderia ser benéfica), Pacman não foi capaz de dar uma resposta estruturada, convincente ou pelo menos convicta sobre o que quer que fosse. Revelou-se incapaz até em perguntas que deveriam ser simples, por ex. o que distingue Alegre dos outros candidatos de esquerda. Não conseguiu sair da retórica da “empatia com Alegre por causa da poesia” e visivelmente embaraçado chegou a dar justificações patéticas como “não posso comentar porque estive fora do país e só cheguei ontem”. Percebeu-se que Pacman não só não acompanha o debate político nacional como não é alguém que esteja habituado a fazer algum tipo de reflexão política (pelo menos uma que seja estruturada). Está no seu direito, mas então não deveria aceitar o convite de Alegre. Convite que por sua vez Alegre não devia ter feito.

A noite na sic correu tão mal a pacman que a determinada altura conseguiu-se mesmo descortinar um esforço por parte dos outros mandatários para evitar ir por questões que pudessem merecer uma réplica por parte do representante de Alegre. É que não tem piada nenhuma bater no “ceguinho”. Sobretudo se o “ceguinho” até é um jovem porreiro, mandatário de um candidato de esquerda. Fosse o “ceguinho”, de direita e teria – não tenho nenhuma dúvida - saído trucidado do debate.

Da parte dos outros mandatários Joana Amaral Dias esteve igual a ela mesma: acutilante, esclarecida e esclarecedora. Sem novidade. Novidade que também não podia haver por parte do jovem escolhido por Jerónimo: os jovens do PCP costumam estar preparados para o debate político. A surpresa, para mim, foi mesmo mandatário de Loucã, que sendo alguém com um perfil aparentemente semelhante ao de Pacman – Músico e sem presença contínua e comprometida na vida política – conseguiu ter uma argumentação bastante sólida e levantar perguntas muito pertinentes. Por último uma pergunta para a ausente Cátia Guerreiro, mandataria da juventude de Cavaco, que se recusou a comparecer no debate. Será que não quis fazer de “pacwomen” (antes ausente que a fazer figuras tristes) ou que antes preferiu mostrar rapidez na assimilação das lições de silêncio e altivez do mestre?

Deste debate a candidatura de Alegre saiu a perder duplamente: (1º) Porque o seu mandatário perdeu para todos os outros, mesmo para a mandatária ausente. (2º) Porque passa a ideia – injusta, espero – que Alegre acha que a juventude portuguesa, não sendo totalmente frívola, é muito "superficialzinha" pelo por isso basta um mandatário que é uma imagem com pouco conteúdo.

Por muita simpatia que tenha pela candidatura de Alegre devo dizer que Soares fez uma escolha melhor: transmite a imagem de maior seriedade e rigor, bem como maior consideração pelos jovens. Louçã, por sua vez, parece ter conseguido o melhor dos dois mundos: mediatismo e contéudo. Fica a interrogação sobre a ordem de prioridades: conteúdo com mediatismo ou mediatismo com conteúdo.

12.10.05

Hermeto na Culturgest

Suou, gritou e, provavelmente, fedeu. Sentiu sede, bebeu vinho e então, tocando, (en)cantou(-nos) mais um pouco.

….

Impossível perceber a criação misteriosa que é a sua alma. Mas a sua música é tão densamente pura como qualquer coisa que nasça da terra ou que batendo asas, paire no céu. Ou então, como uma rede onde se pode dormir, amar e sonhar e acordar bem tonificado para a jornada quotidiana.

Universal. Para ele, como dizia Guinga, tudo é coisa musical: trompete, panela, sintetizador ou o guincho da boneca de borracha. Música que é transparente como a água, fascinante como a lua e emergente como a vida.

Ninguém conseguiu resistir. Ali, na Cultugest, o que se passou foi muito mais que um concerto. Foi um convite irrecusável a viajar pelas origens do nosso fascínio pelo som. E não será esse fascínio muito mais ancestral, primitivo e essencial que o do fogo?

Em duas horas atravessamos várias épocas históricas, várias culturas, várias paisagens. Tudo misturado em doses indecifráveis que por alguma razão parecem tão lógicas, como se nunca tivesse havido separação, como se tudo fosse uma contínua espiral, como se fosse a coisa mais óbvia, mais natural.

A sua música, muitas vezes, sem uma absoluta separação entre composição e improvisação, contém sofisticadas harmonias, mas estas apenas são dissonantes pela mesma razão que os rios têm afluentes, cascatas e trajectos sinuosos mas nunca deixam de chegar ao mar. Será possível tanta sabedoria ser endossada com tamanha simplicidade? Existe coisa mais poderosa que isto?

Simplicidade, sim. Sem pretensiosas teorizações, sem pseudo vanguardismos. Mas também sem falsas modéstias. Esse homem, poderíamos dizer, é a música transformada em carne. O som tranformado em osso. Hermeto paira numa outra dimensão e é ele que de alguma forma faz o "link" entre Bach e Luís Gonzaga, entre Miles Davis e Jackson do Pandeiro, entre Jobim e Kituxi. Este homem, dizem, só podia ser brasileiro.

E Eu, desculpem lá, mas não pude deixar de sair de lá sentindo-me feliz e mesmo abençoado. Perdoem-me se é heresia, mas desconfio que mais intenso que isto só mesmo se Miles ressuscitasse para um derradeiro improviso.

10.9.05

Al Jarreau era o Glow.


O Al Jarreau surgiu-me, ainda na infância, como único banho que, depois de comer, não só não era indigesto mas chegava mesmo a ser obrigatório.

Passo a explicar:

Eu vivia em Luanda, tinha os meus 8 ou 9 anos e todos os dias, após o almoço na casa dos avós, a minha jovem tia Mini-Hó iniciava uma sessão de audição de discos vinil, que se prolongava pela tarde dentro. O meu papel, enquanto não podia ir jogar futebol no areal com os meus amigos, ou porque estava muito sol, porque tinha acabado de comer, era ficar ouvindo também.

Acontece que a minha tia, com quem, aliás, eu partilhava grandes cumplicidades, tinha uma maneira peculiar de ouvir discos. Verdadeira como era, só conseguia “apaixonar-se” por um disco de cada vez, e assim sendo, literalmente, não ouvia mais nada enquanto esse seu amor “sobrevivesse”. Normalmente, e para seu desgosto, era disco que cedia antes. Usando as palavras do meu pai: a minha tia desintegrava os discos de tanto os ouvir. De tanto os amar.

O disco Glow era um dos alvos dessas paixões. Eram tardes inteiras de repetição, cada música tocada sete ou oito vezes. Era de tal forma que, como o grau de tolerância dos meus avós para com as “manias” da minha tia, a filha caçula (*), era elevado, acabavam sendo os outros habitues da casa a desinibir-se e reclamar. Lembro-me de um amigo da família, um dia não se ter conseguido conter: “ Bem, já me vou embora, porque não aguento mais ouvir este senhor perguntar pela criança” disse, após ter sido submetido a uma audição em “loop” de “have you seen the child” uma das faixas do disco.

Talvez por ser um nome muito mais fácil e menos susceptível de causar dúvidas a uma criança de 8 anos, na minha cabeça era o cantor que se chamava Glow. Sim, o homem que, na capa, aparecia com uma camisola vermelha, e que tapava o sorriso com a mão, era o Glow e isso para mim fazia todo o sentido, mesmo após a minha tia se ter apressado na correcção: “É Al Jarreau”

Ia ouvindo o Glow a cantar, a cantar e a minha tia a cantar por cima, num sotaque perfeito, e de repente dava comigo a esquecer-me dos amigos e do futebol e a embarcar na pureza, para mim indecifrável, de “Your song” ou a absorver o ritmo dançante de “Rainbow in your eyes”. Mas o momento verdadeiramente esperado era o daqueles curtos minutos em que tocava a música sem instrumentos e só com vozes: “Hold on me”. Pairando na minha cabeça, aquela música foi transformando o Al “Glow” num craque mais craque que o Beto, que era só o mais habilidoso dos meus companheiros de futebol no areal. Acho que foi assim que foi esmorecendo a minha sedução pelo futebol e nascendo este amor eterno: a música.

Frequentemente pergunto-me se "Blackbird" cantado por Bobby Mcferrin, ou se "Quinta das torrinhas", na versão em dueto de Maria João com Aki Takase, faria sentido aos meus ouvidos se, com oito anos não tivesse ouvido Al “Glow” Jarreau, cantar “Hold on me”.

Mais tarde, em plena pré-adolescência e já dono e senhor da uma pessíma e efémera, mas empenhada, escolha auditiva, ainda encontrava espaço para ouvir Al Jarreau. O disco ouvido já não era evidentemente o Glow porque esse há muito tinha sido “desintegrado” pela tia Mini-Hó. Agora era eu quem se dedicava a cantar por cima de “L is for lover” que tinha ganho, novinho, em formato cassete, do meu pai após a sua viagem a, então distante, Lisboa. Lembro-me da sua expressão, quando no meio das minhas outras escolhas – que incluía um dos U2, um dos Duran Duran e um dos Techonotronic – eu nomeei Al Jarreau. Era o único que ele aprovava.

Consigo ainda hoje reinvocar os sentimentos de raiva e frustração então sentidos quando, após horas de espera ansiosa pela transmissão do concerto de Al Jarreau em Londres, anunciado com pompa e circunstância pela TPA (Televisão Popular de Angola), a electricidade faltou em todo o meu bairro, precisamente cinco minutos antes da hora programada para o início do tal concerto. Só muito mais tarde, consegui conhecer alguém que, vivendo do outro lado da cidade e portanto não afectado pelo corte de electricidade, tinha milagrosamente um vídeo gravador pronto a disparar no momento preciso em que Jarreau começava a cantar com um sorriso maravilhado “Lets pretend, we are in another world.”. Em Luanda era mesmo isso que fazíamos todos os dias.

DMRS: Curiosa Coincidência

Quem usar o Google para procurar o site do "Departamento de Modernização e Recursos de Saúde" do Ministério, encontra também a "Division Of Mental Retardation Service".

25.8.05

Fast 'N' Bulbous: rapidez para a bulha, mas com o bolbo ressequido

O “Jazz e Arredores” gostou. Eu não.

Sinceramente esta música envelheceu muito mal. O som da guitarra parecia de um qualquer guitarrista texano tocando no “Ok Curral”; a secção rítmica ( baterista e baixista) tinham a subtileza de um casal de rinocerontes. Também a música não pedia mais. Entre a secção de metais, havia dois razoáveis improvisadores ( saxofonista alto e trombonista), que mantiveram ao longo do concerto um esforço inglório, "afogados" que eram pelo trio roqueiro de guitarra, baixo e bateria, os amantes de "licks" ultrapassados. Ok, faço uma concessão: estes músicos são ainda assim melhores que os U2 ou qualquer outra das 20 bandas top do momento. Mas não são músicos de jazz . Tocam rock, um rock que nos anos 70 era pra “frentex”, um rock talvez complexo. Mas que ainda assim não é jazz. Chamem-lhe qualquer outra coisa.

O que me deixa espantado é a passividade e até mesmo entusiasmo com que alguns dos amantes, divulgadores e críticos os acolheram. Pergunto ao pessoal, em jeito de provocação se objectividade analítica não foi um pouco toldada pela nostalgia. Se assim for, percebe-se: Esta foi uma música de uma época muito especial.


Para uma coisa este concerto serviu, foi mais um contributo para levantar grandes duvidas sobre se podemos continuar a pensar neste festival como um festival de jazz. É verdade que vieram Susie Ibarra, Mark Dresser, Michael Sarin. Mas será que este ainda é um festival de jazz? Parece-me mais um talvez um festival de música(s) improvisada(s) e de improvisadores. É também um festival de muita nostalgia por vanguardas de há 30 ou quarenta anos atrás. Ainda assim, pode uma festival de jazz que já acolheu músicos como Elvin Jones, Chico Freeman, Roy Hargrove, Bobby Hutcherson, John Scofield, Joe Lovano, Dave Holland, Wadada Leo Smith, Jack De Johnette, encerrar com um grupo tocando a musica Sub-Zappiana de Captain Beefheart? É caso par perguntar onde está o Jazz, onde está a “Vanguarda” e até mesmo, onde está a improvisação. No concerto dos Fast´N´Bulbous não ouvi nenhuma das três.

12.8.05


Tons de Tom

Isso virou um “jazz” danado...

Almir Chediak-
Na sua formação quais eram as músicas que você gostava mais?

Tom Jobim -
Vamos pela ordem. No terreno popular, os músicos brasileiros que já citamos [ Ary Barroso, Dorival Caymmi, Pixinguinha, Garoto, Custódio Mesquita, Noel Rosa, José Maria de Abreu, Lamartine Babo, Ismael Silva, o Wilson Batista, Ataulfo Alves, João de Barro, Bororó].

No terreno erudito, o Villa-Lobos, Debussy, , Ravel, Bach, Beethoven, etc. Mas Villa-Lobos e Debussy são influências profundas na minha cabeça.

Ao Jazz, ao verdadeiro jazz não tive muito acesso. O que a gente ouvia aqui não era o jazz. Eram aquelas orquestras norte-americanas. O negócio do jazz era para coleccionador, para um cara rico, playboy coisa assim. Não sou um profundo conhecedor de jazz. Depois eu vi que os puristas daqui diziam que a Bossa Nova era "em cima" do jazz. Isso virou um “jazz” danado.

Quando esse pessoal dizia que a harmonia da Bossa Nova era americana, eu achava engraçado porque essa mesma harmonia já estava em Debussy. Não era americana coisa nenhuma. Chamar ao acorde de nona de uma invenção americana é um absurdo. Esses acordes de décima primeira, décima terceira, alteradas com tensões, com adendos, com notas acrescentadas, isso aí, você não pode chamar de americano. É americano do Norte, mas é americano do Sul também.

O americano pegou a Bossa Nova porque achou interessante. Se fosse uma cópia do jazz não interessaria. Cópia do jazz eles estão cansados de conhecer. Tem jazz sueco, jazz francês, jazz alemão – Alemão está cheio de jazz.

Depois passou-se a chamar jazz a tudo o que balança. Ora o que balança está nos Estados Unidos, em Cuba e Brasil. Isso é que balança. O resto vai de valsa, com os devidos respeitos para os austríacos.

Essa coisa do samba é por aqui: Brasil, Cuba – e todo o Caribe naturalmente – e os Estados Unidos. É claro, tem o Peru, mas ali é negócio de índio, é outra influência. Tem ritmos interessantes, como tem no Chile, no México, etc, mas não é a essência que nós temos – um negócio negro com um negócio branco.

É um problema de nomenclatura. É latin jazz, brazilian jazz, daqui a pouco a gente não sabe do que está falando. Se jazz fosse tudo o que balança, a música brasileira seria puro jazz. É preciso livrar o Brasil desses esquemas que acabaram inventando.

Eu enfrentei preconceitos enormes. Tocava uma nona e diziam que “o Tom toca be-bop”. Diziam que o [João] Donato era be-bopeiro, veja só. A gente tocava uma quarta aumentada, décima primeira e aparecia logo aquele cara para dizer : “olha aí. É be-bopeiro”. Isso vem naturalmente do facto de o Brasil ser um país de poucos pianos. A pessoa tinha poucas chances de tocar esses acordes, até porque, no violão, vocês precisa completar esses acordes com o cavaquinho. Se você quiser complicar ou ter muitas segundas juntas na parte harmónica, vai ter que fazer com dois violões. Ou inventar, como faz o Egberto Gismonti, que bota mais cordas no violão.

- Songbook Tom Jobim, 2º Volume, Lumiar Editora

22.7.05

Ganhemos, perdendo tempo com outras coisas



“Estou sozinho no meio destas vozes alegres e razoáveis. Todos estes fulanos passam o tempo a explicar-se uns aos outros a reconhecer com contentamento que são da mesma opinião”

A náusea, Jean-Paul Sartre



Sinceramente não apetece nada falar disto. Nada disto parece ter importância. Não apetece dar mais importância a "isto" do que “isto” dá a nós. Serve só para entreter. É apenas uma opereta medíocre resultante de um libreto mais que duvidoso. Não apetece perder tempo com isto, quando se pode perder tempo com outras coisas.

Nem o professor ministro que sonha ser outra coisa, transmutando-se em algo que nunca foi; Nem sequer o professor que desistiu de ser ministro, cansado que estava de não ser ouvido e que preferiu por isso regressar ao silêncio; nem tão-pouco o professor que até já descansou muito tempo, e prepara-se para voltar e acabar com a trágica situação, qual mítico Dom, que morreu algures numa Alcácer que não é do Sal, e que nunca se engana, mas é bem melhor que Tirésias, pois não é cego nem nada.

Perdoem-me o aburguesamento, mas o que apetece mesmo é Sal e Sol. Sal na pele e sal no peixe, sol na cara, peixe na grelha. Um pouco de chuva também não era nada mal. Sobretudo por causa dos incêndios.


Quem não gostar de perder tempo, sentir que não precisa de férias e estiver mesmo ansioso por uma causa, por uma luta, por uma demanda, então que escolha uma que valha a pena. É muito fácil encontrá-la. Assim podemos deixar os alegres e razoáveis professores a explicarem-se uns aos outros, reconhecendo, com contentamento, que são da mesma opinião, mas que também e pelo contrário, não.

20.7.05



África Festival [21-24, 22h, Concertos em Monsanto, Palco Sagres Bohemia - Anfiteatro Keil do Amaral, Entrada Livre! ]
21 de Julho 22h00
Zap Mama
(Bélgica)/ Manecas Costa (Guiné Bissau)
22 de Julho 22h00
Ali Farka Touré (Mali) convida Toumani Diabaté/ Mabulu (Moçambique)
23 de Julho 22h00
Ray Lema & Chico César
(Rep.Dem. Congo/Brasil)/ Waldemar Bastos (Angola)
24 de Julho 22h00
Tito Paris Acústico com Orquestra de Câmara
(Cabo-Verde)/ Lura (Cabo-Verde)

Em Lisboa: África Festival vai começar amanhã

Pergunta: É possível fazer um festival de música africana atractivo e de qualidade sem a presença de músicos de três dos quatro países africanos (Camarões, Nigéria, Africa do Sul, Mali) mais importantes do ponto de vista da criatividade, diversidade e produtividade musical?

A resposta parece ser sim.
Eis as cinco razões:

1º Ali Farka Toure: O guitarrista maliano é um dos músicos africanos mais celebrados. O som eléctrico cheio de reverb que ecoa da sua guitarra, misturado com as percussões tradicionais fizeram discos como niafunké e talking timbuktu (com Ry Cooder) verdadeiras gemas na lista de qualquer coleccionador de world music. Ao vivo, Ali Farka Toure não costuma deixar os seus créditos por mãos alheias. E ao que parece vem consigo o seu compatriota Toumani Diabaté, um dos virtuosos da Kora maliense.

2º Ray Lema & Chico César: Ray é um dos músicos mais sofisticados e ecléticos no panorama da World Music. Pianista e compositor congolês (ex-zaire), da sua discografia registam-se projectos com grupos corais femininos búlgaros, parcerias com o músico de jazz vanguardista Joaquim Kuhn ( Euro African suite), até a exploração do itinerário musical marroquino em colaboração com os Tyour Gnaoua (Safi). Ray e Chico conheceram-se em 1998 quando o primeiro foi tocar num concerto em São Paulo. A ideia de fazerem uma tournée juntos surgiu o ano passado no rio de Janeiro. Ainda em terras brasileiras fizeram quatro concertos juntos. Correu tão bem que decidiram não parar por aqui.

A despeito do que se disse acima devo dizer que os outros dois concertos de Lema que se viram em Portugal não foram propriamente inesquecíveis. Quer com os Tyour Gnoua, quer com Manu Dibango (no Rock in Rio Lisboa) ficou a sensação que Ray talvez pudesse ter dado um pouco mais em palco. Sendo um estudioso compositor, parece-nos que é daqueles músicos que se movimenta melhor em estúdio. Mas, como se costuma dizer que a terceira é de vez….


- 3º Manecas Costa: O músico guineense é talvez a melhor coisa que apareceu no panorama da música africana lusófona nos últimos anos. O seu último disco Paraíso di Gumbe gravado na Guiné e com uma produção simplesmente excelente foi editado pela Late Junction/BBC em 2003 e recebeu de elogios de todas as revistas especializadas. A música é quase totalmente acústica (apenas algumas guitarras eléctricas aqui e ali) e flutua entre uma melancolia e um optimismo cheio de sol e sal.

- 4º ZAP MAMA: Na realidade, Zap Mama já não são bem as Zap Mama. Do grupo original que fez o disco Sabsylma (só com vozes e percussões) já só resta a líder Marie Doulne, vocalista e compositora belga de ascendência congolesa (ex-zaire). Marie foi-se sentindo mais atraída pelos sons electrónicos e dançantes, o projecto tornou-se mais pessoal e algumas “meninas” partiram. Algumas tornaram-se estrelas por si só – casos de Sally Nyolo e Sabine Kabongo. Marie Doulne preferiu manter o nome do grupo, completando-o com uma formação vocal mais flutuante que incluía a sua irmã Anita. Tornou-o mais electrónico e aberto a colaborações vindas do Soul e Hip-Hop americanos (The Roots, Erika Badu). No disco á Ma Zone não tem pejo em escrever na contra capa: “Zap Mama is Marie”.

A música mudou é certo, mas a qualidade não sofreu e a alegria muito menos. A mistura de vozes étnicas com grooves electrónicos não só funciona com abre um leque de novas possibilidades.


-5º Tito Paris: Este é verdadeiramente um concerto a não perder: Tito vai realizar o projecto com que sempre sonhou e do qual já se falou aqui: tocar morna acompanhado por uma orquestra.

O festival conta ainda com as participações da belíssima e talentosa cantora cabo-verdiana Lura, do grupo moçambicano Mabulu, e do compositor e cantor angolano Waldemar Bastos.

Não conheço o grupo Mabulu, mas vem bem referenciado. É uma mistura de marrabenta – musica tradicional moçambicana – com ritmos orientados para o groove e o hip-hop. A idade dos músicos vai dos 25 anos aos 75 o que não deixa de ser curioso.


Uma crítica final: consegue-se perceber pelo cartaz que houve uma preocupação com equilíbrio entre músicas das africas lusófonas e músicas de outras africas. No entanto o que já se torna um pouco cansativo é o facto de que sempre que se pensa em música angolana aparecerem sempre um de dois nomes: Waldemar Bastos ou Bonga. Percebe-se: residem em Portugal o que diminui os custos, conhecem o meio, o meio conhece-os a eles. Mas talvez por isso mesmo devia-se aproveitar a ocasião de um festival destes para trazer outras vozes menos habituais. De Angola poderia ter vindo por exemplo, Filipe Mukenga (para mim, o melhor compositor angolano vivo), Lulendo, Wiza ou até mesmo Paulo Flores com o seu projecto Quintal do Semba., acústico e revivalista


Enfim, um festival que promete.

Programa do festival: Lisboa Cultural
Ler mais sobre os músicos: At-Tambur

11.7.05


descansando os olhos: Saanjhi dhoop, Geeta Vadhera



- Confronting Empire, Eqbal Ahmad, David Barsamian, Pluto Press, 2000. ( com prefácio de Edward Said)

- Terrorism: Theirs and Ours, Eqbal Ahmad, David Barsamian, Seven Stories Press, 2001.

Eqbal Ahmad

Dois textos antigos (pré 11 de Setembro) mas ainda assim plenamente actuais, escritos por um dos pensadores que mais admiro: Eqbal Ahmad, falecido em 1998.

1)
A transcrição de "Terrorism: Theirs and ours" uma conferência de Eqbal Ahmad Foi este texto que depois deu origem ao livro homónimo feito de entrevistas de David Barsamian.

2)
Aqui sobre o mesmo tema, a versão em entrevista com David Barsamian. A mesma que está transcrita no “Confronting Empire”

10.7.05

Haynes numa tarde de verão



Um sábado de verão, final de tarde, chegamos em cima da hora, mas tivemos sorte: o concerto ainda não começou. Houve tempo para uma bebida fresca e para procurar calmamente o lugar possível que harmonizasse os dois sentidos: audição e visão.

Estamos em cascais, parque Palmela. É mais um dia do Estoril Jazz

O grupo? O quarteto de Roy Haynes.

As expectativas são altas. Afinal Roy Haynes é - aos 80 anos e tendo tocado com todos os verdadeiros gigantes da história do jazz - uma autêntica lenda viva.

A música começa, os temas e as improvisações sucedem-se umas as outras. Estes músicos brincam em serviço e levam muito a sério a brincadeira e Haynes, que não é de muitas palavras, toca com o entusiasmo de um menino que acabou de receber a sua primeira bateria, mas com o domínio só ao alcance do que ele é: Um mestre.

Mesmo sendo jovens, não vale a pena gastar muitos adjectivos para ilustrar a qualidade obrigatória de qualquer músico que tem o privilégio de pertencer ao quarteto deste líder. E Haynes "está lá", liderando-os, impulsionando-os e arrebatando-os, a eles e a nós todos. Desnecessário será dizer que nunca descobriremos a fonte da sua juventude.




PS- Um agradecimento ao João Moreira dos Santos, do Jazz no País do Improviso, pelos bilhetes e parabéns pelas 40000 visitas.

8.7.05

Sem legitimidade para comentar

Não faço comentários de circunstância nem me mostro chocado.

Por todo o mundo, governos, parlamentos e partidos enviaram mensagens de pesar e condolências aos habitantes de Londres, ao povo britânico.

Jornalistas, fazedores de opinião, bloguistas desdobram-se em comentários, análises e considerações. Leio que «90 minutos após a primeira deflagração, já tinham sido colocados na Internet 1300 posts sobre os atentados, de acordo com o site Technorati»


Durante os últimos meses, no Iraque, têm morrido, quase todos os dias, pessoas, vítimas do mesmo terrorismo, da mesma Al Quaeda, vítimas também de outras organizações e de outros – não menos execráveis – terrorismos. Algum governo, parlamento ou partido envia mensagens de pesar e condolência as famílias dessas pessoas? Teria de faze-lo quase todos os dias, bem sei. Pois é, estamos habituados a vê-los morrer. Jantamos vendo essas imagens na televisão. O horror do “lado” “deles” não nos choca. Já quase nem é notícia.

Tivemos imensas oportunidades de fazer comentários, análises e considerações. Tivemos várias oportunidades de nos mostrarmos chocados. Eu, que no passado não o fiz, sei e sinto que agora não tenho legitimidade.

O significado deste tipo de actos, da morte, da violência e do horror não podem ser diferentes consoante a localização geográfica das vítimas. E dizer isto não significa menos respeito por nenhuma delas.

6.7.05

Wim Mertens

A entrevista que deu a Ana Sousa Dias, é "outra coisa".

Se já tinha um inevitável respeito pelo compositor, passei a admirar o homem, pela sua sensiblidade, pela audácia do seu pensamento (algumas das críticas que faz a academização, sistematização e reprodução na música), pela simplicidade.


Repete sexta feira as 15.15 - "Por outro lado", na 2:

Vinícius na Praia

A Praia homenageia Vinícius de Moraes, por ocasião dos 25 anos que passaram desde a sua morte.

Eis o programa:

A isto chama-se serviço público de qualidade.

Novo Som

Presumindo que os visitantes mais habituais já estavam um pouco saturados do “jóia” sonora de Bennie Maupin e como não queria que pensassem que o pessoal do Abre-Surdo é tão obsessivo quanto o “Rádio” Rahim – personagem do filme “Do the Right Thing” – resolveu-se mudar o som, sem alterar muito a sonoridade. Agora, quem entrar nesta casa ouve (se quiser, se os neurónios do lobos temporais estiverem para aí virados) meia hora de Mr. Herbie Hancock

Leileteia...

Alguém sabe o que lhe aconteceu?