18.2.05

A "espuma" pt II: sobre a arrogância jornalistica

Um administrador hospitalar, encarregue do “bloco cirúrgico” de um hospital, saberá certamente o nome das cirurgias que são feitas nesse hospital, o custo dos materiais necessários, o tempo que demora está ou aquela operação e até quais são os resultados em termos de mortalidade e morbilidade da operação “X-ectomia”* ou “Y-plastia”*. O administrador em causa poderá ao fim de algum tempo conhecer alguma da terminologia cirúrgica e até - quem sabe- fazer uma ou duas perguntas pertinentes a um, qualquer, cirurgião. Mas, certamente seria um absurdo, uma loucura, pensar-se que estes conhecimentos relativamente superficiais da actividade cirúrgica seriam capazes de habilitar o administrador a entrar ele próprio no bloco e tornar-se o executor de uma qualquer “z-rrafia”*. Seguramente não seria sequer capaz de se desinfectar convenientemente.

Ser-se ou ter-se sido um bom jornalista não fornece instrumentos de legitimidade para se fazer análise politica ou histórica. E este é um dos problemas do espaço de opinião que se vai lendo por aí: O se vê é um pouco o exemplo do administrador supracitado.

Jornalistas transformados em “ analistas de ciência política”. Supostos “jornalistas económicos” já acham que podem fazer crítica e comentário sobre medidas económicas. É assim que prolifera essa cultura de arrogância jornalistica, criticando tudo e todos excepto, claro, eles mesmos.

Alguns mais consciêntes sabem - no fundo sabem, JMF sabe (ler post anterior) – que lhe(s) falta qualquer coisa. Não se sente(m) totalmente seguro(s) do que estão a dizer ou a defender. Por isso escolhem uma figura de referência a quem seguem reverentemente. No caso de JMF é o citado JPP. No caso dos “jornalistas económicos”, escolhem um economista qualquer, prestigiado e disponível, de preferência- porque os jornais são empresas e as empresas têm de ter e aumentar os seus lucros- um "bem neoliberalzinho".

E é também por isso que a discussão da política está ao nível em que está. Porque os jornalistas em geral não são capazes - eles sim – de passar disso mesmo: da espuma. E assim, opta-se pela fuga à análise da questão politica propriamente dita, optando-se antes pela "politiquice", a "politiqueira", a "politiquite", enfim a "politirreia". Os políticos obviamente também são culpados porque no afã de satisfazer os seus desejos de protagonismo mediático, tornam-se subservientes e toleram bem além dos limites do aceitável a arrogância e a falta de respeito dos jornalistas.

Hoje, se calhar em toda a parte, os jornalistas são cada vez mais, pessoas capazes de falar generica e aparentemente (bem) de tudo, sem saberem especificamente algo sobre o que quer que seja. Mas em Portugal há ainda o pormenor inquietante de ser possível o mesmo jornalista que escrevia durante anos sobre jogadores e treinadores de futebol, passar, de um dia para o outro a ser comentador político com direito a coluna diária e tudo.

Em geral um “jornalista económico” sabe tanto de ciência económica como o administrador hospitalar sabe de cirurgia: Nada de relevante. A excepção é obviamente quando o administrador hospitalar era previamente cirurgião, o jornalista económico era economista, ou o jornalista político é um estudioso de ciência politica ( o que não é nitidamente o caso de José Manuel Fernandes).

Uma coisa é o direito a opinião, o estímulo ao comentário, o apreço por"mandar umas bocas" e escrever num blog. Outra bem diferente é ir-se para um espaço televisivo ou para uma coluna de jornal travestido de analista, dotado de supostas características de imparcialidade e objectividade mas, estando na realidade se está a expressar ( de forma mais ou menos intuitiva) uma opinião bem subjectiva e- ainda que de forma disfarçada- apaixonada.

O problema não está, obviamente, em tecer opiniões. Todos mandamos as nossas "bocas" e defendemos os nossos pontos de vista de forma mais ou menos apaixonada. E é assim que deve ser. O problema é que alguns permitem-se fazer passar as suas opiniões sob a capa da "análise objectiva do especialista". Ou seja, ao invés de se argumentar com inteligência ( e já agora, com alguma honestidade), argumenta-se à priori (com a apresentação de um estatuto) que se é (mais) "inteligente" e que isso basta para dar maior "peso" a análise proferida.


*Ectomia, plastia, rrafia – termos médicos que identificam uma acção cirúrgica.
Por exemplo: colectomia parcial –significa retirar por meiode técnica cirúrgica uma parte do cólon
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