22.12.04

Coisas Lidas I: O vício ideal, por Alberto Gonçalves

Embora reconheça que o eng. Sócrates “fala bem e depressa”, o dr. Marques Mendes acha que o homem “não tem uma única ideia na cabeça.” Não? Para demonstrar que o dr. Marques Mendes é distraído ou mentiroso, o eng. Sócrates avançou de seguida com uma súmula de um programa de governo: caso ganhe as eleições, prometeu “aproveitar o que está bem e corrigir o que está mal.”

Não só estas palavras foram proferidas com excelente dicção e assinalável rapidez, como elas consubstanciam uma espécie de ideia. Por acaso, uma ideia genial. Fosse o chefe do PS um pelintra avulso, desses que se passeiam sem “postura de Estado”, é certo que garantiria a aniquilação de tudo o que funciona e o desenvolvimento do que já não tem conserto. Felizmente, o eng. Sócrates é figura de superior calibre, e vai direitinho à questão: aproveitar o que está bem e corrigir o que está mal. Brilhante. (...)

é escusado lembrar o séc. XIX, em que as “reformas” (a expressão coeva para “ideia”) que os políticos pretendiam redundavam fatalmente na reforma dos próprios políticos. Percorrendo o vasto rol dos nossos líderes recentes, verifica-se que as capacidades oratórias variam, e que a simpatia também: as ideias são uma constante. Não houve primeiro-ministro que não exibisse uma, dez, cem louváveis ideias para o País. Soares não tinha mais nada. Cavaco possuía-as em versão grandiloquente. Guterres fabricava várias, das pequeninas, por dia. Com Santana, elas atropelavam-se a tal ponto que nem chegavam a passar de esboços. A todas, o País permaneceu rigorosamente alheio.

Portugal não se move por ideias. Em cem anos, Portugal apenas se moveu, e nem sempre para o melhor lado, graças a três revoluções e aos “fundos” europeus. Dado que a generosidade da União não dura muito e que as sublevações são um aborrecimento, se calhar o nosso destino é ficarmos por aqui, exactamente onde estamos.

De qualquer modo, continuaremos a dispensar as ideias dos governantes. E só não dispensamos os governantes porque, enquanto andam em S. Bento, a pensar que redimem a pátria, andam entretidos. E não se metem em vícios piores.


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