28.12.04

A dor e a escala Richter

Como lhe chamar? Tragédia? Drama? Desastre? Catástrofe? Tudo palavras repetidas e gastas. Banalizadas pela média, desprovidas do seu peso molecular. Parece que o melhor é não lhe chamar nada, apontar só. Com o dedo.

Os média multiplicam-se em informações e reportagens. Reportagens e entrevistas. Para quê?

Por cada actualização, por cada nova contagem de mortos ou feridos o que aconteceu apenas se torna mais abstracto, mais frio mais banal. E não pode ser banal. Não pode ser mera curiosidade.

Qual é o interesse de ouvir a descrição do português que já conseguiu chegar à Macau? Qual é o interesse da pergunta feita por muitos jornalistas aos seus correspondentes in loco, sobre a percentagem de destruição?

O que realmente interessa saber é como e o que fazer para dar a ajuda possível. Ajudar e Saber o que está ser feito.

Sei que, na realidade, por muita solidariedade que muitos digam ter e sentir, nunca chegamos sequer vislumbrar a um pouco da dimensão da dor dos outros. E quanto mais longe estiverem de nós, pior. Sei que daqui a quatro dias, a maior parte das pessoas vai estar a festejar a passagem de ano, da melhor e mais festiva maneira que puder. É assim a natureza humana. Todos somos um pouco assim.

Mas um pouco de pudor por parte dos média serviria para nos educar. Para que tivéssemos alguma contrição.

Não sei o que mais dizer.

Fiquem com as palavras de Márcio Faraco:


A Dor na Escala Richter

A terra treme do outro lado do planeta
Enquanto a calmaria daqui me abala
Uma outra guerra traz a morte violenta
E eu aqui comendo pipoca na sala

Ah, se eu medisse minha dor na escala Richter
Ou ao menos inventasse uma escala
Será que a dor de não ter nada se compara
Na intensidade à dor de quem tudo perdeu

Qual seria a dor mais forte desse mundo
Acho que dor talvez mereça ser revista
Pois a dor que vejo na revista a cores
Não parece tão real quanto a que eu sinto em mim

É tanta coisa que se vê como notícia
Que a importância vira curiosidade
Não que a morte seja um fato indiferente
Ou tão distante para ser uma verdade

É que na confusão dos sentimentos
Entre o fútil da princesa e seu amante
Um terremoto só parece verdadeiro
Quando a tv cai de cima da estante

2 Comments:

At 12:08 PM, Blogger Horácio said...

Muito, muito bom. Sem dúvida o melhor post que li nos últimos tempos.

Horácio

 
At 4:13 PM, Anonymous Anonymous said...

É exactamente assim.
Estamos todos a perder a vergonha.
Na voracidade das imagens tudo se torna banal.

 

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