Em Lisboa: África Festival vai começar amanhã
Pergunta: É possível fazer um festival de música africana atractivo e de qualidade sem a presença de músicos de três dos quatro países africanos (Camarões, Nigéria, Africa do Sul, Mali) mais importantes do ponto de vista da criatividade, diversidade e produtividade musical?
A resposta parece ser sim.
Eis as cinco razões:
1º Ali Farka Toure: O guitarrista maliano é um dos músicos africanos mais celebrados. O som eléctrico cheio de reverb que ecoa da sua guitarra, misturado com as percussões tradicionais fizeram discos como niafunké e talking timbuktu (com Ry Cooder) verdadeiras gemas na lista de qualquer coleccionador de world music. Ao vivo, Ali Farka Toure não costuma deixar os seus créditos por mãos alheias. E ao que parece vem consigo o seu compatriota Toumani Diabaté, um dos virtuosos da Kora maliense.
2º Ray Lema & Chico César: Ray é um dos músicos mais sofisticados e ecléticos no panorama da World Music. Pianista e compositor congolês (ex-zaire), da sua discografia registam-se projectos com grupos corais femininos búlgaros, parcerias com o músico de jazz vanguardista Joaquim Kuhn ( Euro African suite), até a exploração do itinerário musical marroquino em colaboração com os Tyour Gnaoua (Safi). Ray e Chico conheceram-se em 1998 quando o primeiro foi tocar num concerto em São Paulo. A ideia de fazerem uma tournée juntos surgiu o ano passado no rio de Janeiro. Ainda em terras brasileiras fizeram quatro concertos juntos. Correu tão bem que decidiram não parar por aqui.
A despeito do que se disse acima devo dizer que os outros dois concertos de Lema que se viram em Portugal não foram propriamente inesquecíveis. Quer com os Tyour Gnoua, quer com Manu Dibango (no Rock in Rio Lisboa) ficou a sensação que Ray talvez pudesse ter dado um pouco mais em palco. Sendo um estudioso compositor, parece-nos que é daqueles músicos que se movimenta melhor em estúdio. Mas, como se costuma dizer que a terceira é de vez….
- 3º Manecas Costa: O músico guineense é talvez a melhor coisa que apareceu no panorama da música africana lusófona nos últimos anos. O seu último disco Paraíso di Gumbe gravado na Guiné e com uma produção simplesmente excelente foi editado pela Late Junction/BBC em 2003 e recebeu de elogios de todas as revistas especializadas. A música é quase totalmente acústica (apenas algumas guitarras eléctricas aqui e ali) e flutua entre uma melancolia e um optimismo cheio de sol e sal.
- 4º ZAP MAMA: Na realidade, Zap Mama já não são bem as Zap Mama. Do grupo original que fez o disco Sabsylma (só com vozes e percussões) já só resta a líder Marie Doulne, vocalista e compositora belga de ascendência congolesa (ex-zaire). Marie foi-se sentindo mais atraída pelos sons electrónicos e dançantes, o projecto tornou-se mais pessoal e algumas “meninas” partiram. Algumas tornaram-se estrelas por si só – casos de Sally Nyolo e Sabine Kabongo. Marie Doulne preferiu manter o nome do grupo, completando-o com uma formação vocal mais flutuante que incluía a sua irmã Anita. Tornou-o mais electrónico e aberto a colaborações vindas do Soul e Hip-Hop americanos (The Roots, Erika Badu). No disco á Ma Zone não tem pejo em escrever na contra capa: “Zap Mama is Marie”.
A música mudou é certo, mas a qualidade não sofreu e a alegria muito menos. A mistura de vozes étnicas com grooves electrónicos não só funciona com abre um leque de novas possibilidades.
-5º Tito Paris: Este é verdadeiramente um concerto a não perder: Tito vai realizar o projecto com que sempre sonhou e do qual já se falou aqui: tocar morna acompanhado por uma orquestra.
O festival conta ainda com as participações da belíssima e talentosa cantora cabo-verdiana Lura, do grupo moçambicano Mabulu, e do compositor e cantor angolano Waldemar Bastos.
Não conheço o grupo Mabulu, mas vem bem referenciado. É uma mistura de marrabenta – musica tradicional moçambicana – com ritmos orientados para o groove e o hip-hop. A idade dos músicos vai dos 25 anos aos 75 o que não deixa de ser curioso.
Uma crítica final: consegue-se perceber pelo cartaz que houve uma preocupação com equilíbrio entre músicas das africas lusófonas e músicas de outras africas. No entanto o que já se torna um pouco cansativo é o facto de que sempre que se pensa em música angolana aparecerem sempre um de dois nomes: Waldemar Bastos ou Bonga. Percebe-se: residem em Portugal o que diminui os custos, conhecem o meio, o meio conhece-os a eles. Mas talvez por isso mesmo devia-se aproveitar a ocasião de um festival destes para trazer outras vozes menos habituais. De Angola poderia ter vindo por exemplo, Filipe Mukenga (para mim, o melhor compositor angolano vivo), Lulendo, Wiza ou até mesmo Paulo Flores com o seu projecto Quintal do Semba., acústico e revivalista
Enfim, um festival que promete.
Programa do festival: Lisboa Cultural
Ler mais sobre os músicos: At-Tambur
2 Comments:
Thanks, E.;-)
Se estivesse em Lisboa no dia 24, não perderia o concerto da Lura. O CD "Di Korpu Ku Alma" acompanha-me no carro e, actualmente, é o que mais ouço. Aliás, ouço também em casa: há cerca de um ano comprei a edição simples e, recentemente, comprei a edição especial, que traz um DVD gravado em Paris (1.ª parte de um concerto da Cesária Évora). Divina!
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