21.8.04

Acerca da questão da "angolanidade" (comentário ao texto do Fernando )

Caro Fernando,

Começo por te dizer que recuso-me normalmente, até pela minha formação, a falar em raça. Quando muito poderemos falar em origens geográficas ancestrais: caucasianos, asiáticos, sub-sarianos, etc.

Vivemos numa época em que quase diariamente somos confrontados com as consequências dos nacionalismos exacerbados, que rapidamente se traduzem em xenofobia e em violência. Quase todos os conflitos a decorrerem neste momento no mundo têm sempre presente (juntamente com a causa religiosa e politica) uma causa nacionalista ou étnica (Kosovo, Sudão, Uganda, Palestina, etc.).

Pelo exposto no paragrafo anterior, digo-te Fernando, que várias vezes me senti espantado e decepcionado com a forma inconsciente como alguns dos compatriotas nossos, estudantes universitários cá, são capazes de fazer comentários depreciativos meramente baseados na questão da cor da pele. Não se apercebem que estão a emitir um preconceito rácico, semelhante em tudo ao preconceito de que muitos deles (de nós) já foram (fomos) vítimas.

A questão dos “angolanos genuínos” “verdadeiramente angolanos” ou qualquer outro tipo de designação semelhante, sempre foi para mim uma questão vazia, daquelas que nem vale muito a pena discutir. Porquê?:

Primeiro porque Angola, como tu bem disseste, foi uma “invenção”. Genuínos apenas podiam ser os territórios do “Reino do Congo” dos “Tchokwe”, dos “Ovimbundos” dos "N´Ganguelas", Etc . Querem os que defendem a distinção entre angolanos genuínos e de segunda) voltar a esse desenho geográfico? Parece-me que não.

Consequentemente e em segundo lugar, sempre vi essa questão como um disfarce para uma vil segregação “rácica”. Assim Eu seria menos angolano que Tu Fernando, por ter a pele mais clara e mesmo assim, Eu angolano de segunda, seria mais que alguém como o Horácio porque a este, simplesmente ser-lhe-ia retirada a nacionalidade porque ele é “branco” (caucasiano como prefiro dizer). Saberão os nossos compatriotas que os nazis faziam algo muito semelhante?

Esquecem-se, muitos dos angolanos que trazem essa questão, que até a bandeira sobre a qual se juntam para congeminar tamanho ultraje, foi conquistada a base de muito sangue derramado que não escorreu apenas de peles negras. Basta que nos lembremos de quem se sentava ao lado de Agostinho Neto e logo ai temos muitas respostas.

Uma das coisas que mais me orgulha na nossa luta de independência foi de que ela (pelo menos a do MPLA) não ter pressupostos rácicos, nem étnicos, mas sim uma concepção profundamente moderna do que devia ser uma nação. (O fracasso da teoria à prática fica para outro post).

Quanto ao que reclamam por haver quem queira adquirir a nacionalidade angolana para obter supostos benefícios financeiros, que se vão queixar ao “nosso desgoverno governante” pois é deste e do seu compadrio, conivência e corrupção que está dependente esta e quase todas as outras questões do país.

Triste é que para alguns angolanos conceitos como a Pan–Africanismo, Unidade Africana, Lusofonia, Igualdade, Fraternidade e Camaradagem não passem de palavras vazias. É desses compatriotas que me sinto distante, irremediavelmente muito mais distante do que de um português, nigeriano, venezuelano ou finlandês que compartilhe comigo alguns destes conceitos.

Quanto a importância que poderia ter para o desenvolvimento de Angola e para todos os angolanos uma imigração criteriosa e de qualidade, estou completamente de acordo contigo.

Quanto a mim, que sou angolano e português (ou será antes português e angolano?) e que se pudesse seria também brasileiro e cabo-verdiano, aqui estarei para ver que país querem os angolanos (ou pelos menos uma parte deles, que até corresponde a uma elite) construir.

Kandando.

Teu camba Sacha, que sonha ser cidadão de um mundo solidário, igualitário e melhor.

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