Sobre "O mestre sala dos mares", por Aldir Blanc
Fui apresentado ao compositor João Bosco por um amigo comum, Pedro Lourenço, na época estudioso de literatura, arte, etc. Pedro havia feito pesquisas sobre a vida de João Cândido e a Revolta da Chibata. Na mesma época, o MAU (Movimento Artístico Universitário) foi muito influenciado pelo cineasta Cláudio Tolomei, já falecido. Tolomei tinha um projeto de fazer um curta com João Cândido. Formamos uma espécie de quarteto (Bosco, Cláudio, Pedro e eu) estudando e conversando sobre a importância gigantesca da Revolta da Chibata e da figura histórica de João Cândido para a cultura brasileira. Baseados no conhecimento que Pedro e Cláudio tinham do assunto e no livro, um marco, de Edmar Morel, Bosco e eu resolvemos partir para uma estrutura de samba-enredo clássico, que pudesse inclusive ser confundido com os outros sambas-enredos do ano - o que realmente aconteceu e nos emocionou muito. As pessoas ouviam "O Mestre-Sala dos Mares" e perguntavam: "esse samba é de escola mesmo?". Tivemos diversos problemas com a censura. Ouvimos ameaças veladas de que o CENIMAR não toleraria loas a um marinheiro que quebrou a hierarquia e matou oficiais, etc. Fomos várias vezes censurados, apesar das mudanças que fazíamos, tentando não mutilar o que considerávamos as idéias principais da letra. Minha última ida ao Departamento de Censura, então funcionando no Palácio do Catete, me marcou profundamente. Um sujeito, bancando o durão, ficou meio que dando esporro, mãos na cintura, eu sentado numa cadeira e ele de pé, com a coronha da arma no coldre a uns três centímetros do meu nariz. Aí, um outro, bancando o 'bonzinho', disse mais ou menos o seguinte: - Vocês não estão entendendo... estão trocando palavras como revolta, sangue, etc., e não é aí que a coisa tá pegando... Eu, claro, perguntei educadamente se ele poderia me esclarecer melhor. E, como se tivesse levado um telefone nos tímpanos, ouvi, estarrecido a resposta, em voz mais baixa, gutural, cheia de mistério, como quem dá uma dica perigosa: - O problema é essa história de "NEGRO, NEGRO, NEGRO..." Eu havia sido atropelado, não pelas piadinhas tipo tiziu, pudim de asfalto, etc., mas pelo panzer do racismo nazi-ideológico OFICIAL. Decidimos dar uma espécie de saculejo surrealista na letra para confundir, metemos baleias, polacas, regatas e trocamos o título para o poético e resplandecente "O MESTRE-SALA DOS MARES", saindo da insistência dos títulos com Almirante Negro, Navegante Negro, etc. O artifício funcionou bem e a música fez um grande sucesso nas vozes de Elis Regina e João Bosco. Tem até hoje dezenas de regravações e foi tema do enredo "Um herói, uma canção, um enredo - Noite do Navegante Negro", da Escola de Samba União da Ilha, em 1985. Orgulho-me de, por causa deste samba, ter recebido a Medalha Pedro Ernesto, com João Bosco e o próprio Edmar Morel - infelizmente também já falecido - na presença dos filhos de João Cândido.”
Aldir Blanc
Fonte: Boteco virtual do Samba e do Choro
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