8.1.05

HIV/SIDA - Comecemos por Angola.

Fernando, aproveito o teu post, não para fazer comentários sobre a descoberta, que do ponto de vista prático (estou a falar da pratica clínica actual) penso que pouco significa. Aproveito sim para falar ( falarmos) um pouco da situação do HIV/SIDA na Africa Austral começando por Angola.

Não sei se viste um documentário de origem americana chamado “AIDS Warriors” que passou recentemente na SIC notícias, no programa "toda a verdade", abordando a prevalência do HIV no seio do Exército angolano. Foi por esse documentário que ganhei consciência de uma coisa: Em Angola, os doentes com o HIV não recebem medicação antiretroviral.

Sim, tenho de penitenciar-me por desconhecer este facto. Mas deixa que me explique melhor: É evidente que em Angola há em geral escassez (melhor seria dizer ausência) de todos os tipos de cuidados de saúde. Os poucos fármacos que deviam estar nos hospitais e farmácias do estado são desviados para o mercado negro. Nas farmácias particulares não falta nada, o preço é exorbitante e quase sempre não é preciso receita: É só pagar. Mas isto tudo nós já sabíamos.

O que eu não sabia é que é política oficial do governo angolano não fornecer medicação antiretroviral, porque é alegadamente, muito cara. A aposta é na prevenção, dizem eles. Isto, por parte de um governo que enterra milhões em contas em bancos da Suiça, para resolver negociatas de armamento, com Falcões à mistura. Isto num país que já é o segundo maior produtor de petróleo de Africa com uma produção de quase 2 milhões de barris por dia e que só nos dois últimos anos ganhou largos milhões de dólares à custa do aumento do preço mundial do petróleo.

Os antiretrovirais são caros, dizem eles. O quão pouco vale a vida humana.

Sabes, se calhar muita gente ainda não tem consciência, mas o HIV/SIDA, não sendo (ainda) curável, é uma doença controlável. Um doente que tenha acesso e cumpra a terapêutica antiretroviral viverá muito anos e é muito provável que morra de outra coisa qualquer. Mas não em Angola. Ali, doente com HIV é doente que vai morrer de SIDA, com certeza. (A excepção são os privilegiados que se podem ir tratar à Africa do Sul.)

Segundo o mesmo documentário, embora não havendo estudos definitivos, a estimativa é que 5 %-10% da população angolana esteja infectada pelo vírus. Ou seja entre 500 mil a 1 milhão e duzentas mil pessoas. Por incrível que pareça, este numero é baixo se comparados aos vizinhos regionais: Zâmbia (20% de infectados), Africa do Sul (20-30%) Namíbia (20%), Congo (30%), Botswana (40%). A razão apontada para esta diferença é que a guerra enquanto matava, impediu a disseminação do vírus. As pessoas não se deslocavam, estavam isoladas, o vírus não se espalhou. Agora com a paz os riscos aumentam. As fronteiras com a Namíbia e Zâmbia e Congo são atravessadas nas duas direcções por centenas de pessoas todos os dias. As populações do litoral onde não houve guerra deslocam-se para o interior, levando consigo as suas doenças.

No documentário é também dito, por um médico americano, que o crescimento da prevalência do vírus na Africa Austral dá-se de forma linear e lenta até atingir os 5% ( o tal valor em que Angola se encontra). A partir daqui a tendência é o crescimento tornar-se exponencial. Ou seja, Angola está no limiar de uma hecatombe.

Da minha experiência cá em Portugal, o comportamento de risco ao qual mais HIV aparecer associado é à toxicodependência. Ou seja uma grande percentagem dos jovens a quem vi ser diagnosticada a seropositividade é ou foi toxicodependente. Parece que as pessoas que praticam outros comportamentos de risco de alguma forma interiorizaram as mensagens das campanhas de educação e prevenção.

Quando a tríade mais habitual é a toxicodependência, mas condições sociais, e HIV isto cria muitas dificuldades no tratamento destas pessoas, porque como perceberás um toxicodependente não cumpre outra medicação a não ser aquela que não necessita: A droga. Vejo as vezes alguns médicos a suplicar outros ralhar para que seus doentes que cumpram a terapêutica antiretroviral.

O que custa ver no documentário angolano são, claro, as pessoas (e no caso são mostrados principalmente soldados): que continuam a saber nada sobre o vírus e as suas formas de transmissão, que continuam a não aderir aos meios de protecção (a luta pela adesão ao preservativo atinge contornos tragicómicos). E o HIV aparece como em toda a africa associado a prostituição, a poligamia e a promiscuidade sexual. Mas eles, dizem que estão a apostar na prevenção. Será que têm consciência de que a sua política oficial é criminosa?

No documentário as pessoas infectadas entrevistadas mostram a sua inútil fé: procuram ajuda para combater a doença, não percebem, mas querem tratar-se, vão ao médico. Seriam excelentes doentes em termos de adesão terapêutica. E o que é que o médico lhes pode dar? A eles nada. Pode explicar-lhe como ele terá apanhado a doença e responsabiliza-lo para que não infecte outras pessoas. Pouco mais. Quando então tiver manifestações da sida, interna-lo-ão para o tentar tratar (se houver antibióticos) as infecções oportunistas, os sinais e os sintomas.

De facto, uma política de saúde pública apostada na educação para a prevenção da doença é fundamental para o combate a disseminação do HIV. Mas isso não é de forma alternativa a tratar as pessoas infectadas como se já estivessem mortas.

Mais desesperante é, no caso das mulheres infectadas e grávidas cujo filhos poderiam nascer saudáveis se as mães tivessem acesso aos antiretrovirais. Mas o governo angolano não quer mais crianças órfãs e por isso opta por deixa-las morrer também.

Mas é Angola um caso único na política de simplesmente deixar morrer? Infelizmente não.

Para que este post não fique mais longo do que já é, fico-me por aqui. Sugiro que voltemos ao tema, por exemplo olhando para a Africa do Sul, um país que podia e devia ser um dos líderes africanos no combate ao HIV, mas que, guiado por Thabo Mbeki e os seus conselheiros tem, adoptado políticas no mínimo polémicas.

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