25.2.05

Saraband

(1) Toda a gente gosta, toda a gente elogia.

(2) Fotografia impecável, cores volumosas, o tal digital HD.

(3)O que é "doloroso" ouvir e/ou admitir , o que é "cruel" dizer, tudo surge com imensa e demasiada facilidade. Mas Ela (Liv Ullmann) nunca se zanga. É toda ela feita de empatia. Nunca é simpática, nem antipática. Que coisa chata.

(4) O universo vivencial circunscrito às palavras. Linguagem corporal? Não há. Tudo, tudo tão teatral. A interpretação (propositadamente?) limitada a recitação dos diálogos - que são quase sempre monólogos - e ao trabalho de câmara. Grandes planos e mais grandes planos.

(5) Pretensioso: O “avozinho” lê Kierkegaard enquanto ouve, em alta berraria, a 9ª de Bruckner. A "netinha" entretém-se ao violoncello com Brahms e Bach.

(6) Crueldade, suicídio, incesto e mais crueldade. Um pai obsessivo que quer permanecer empoleirado na rampa do incesto. Um avô, cuja velhice, que devia ser sábia, é o cúmulo da crueldade, desprezando com o mesmo fervor com que odeia.

(7) Tudo dito com indiferença. Nada fica para subentender. Nos diálogos, não há espaço interpretações. O que há é uma imensa frieza. Glaciar.

(8) Bergman? ......É,… parece que sim.

(9) Pois então, saia da sala de cinema com uma imensa indisposição.

(10) O problema não é da obra. A obra é perfeita no que retrata. O problema é o objecto retratado.

(11) Tanta elegância, tanta seda e cetim a retratar essa decadência egoísta, velha, caprichosa e desprezível para quê? Porquê? As vezes, percebo a ideia que os americanos fazem da Europa: é uma espécie de tia chata, cheia de rugas, coberta de pó de arroz e perfume, desesperada para que alguém a visite e a ouça, mas fingindo que está sempre ocupada.

Nota Final: Mas quem é este atrevido que escreveu estas 11 insolências? Quem sou eu? Absolutamente ninguém. Mas, aviso: Do meu atrevimento, estou consciente; Do grau da minha ignorância, talvez não; Tenho a minha sensibilidade. Sou fiel a ela.


Fica aberta a discussão

5 Comments:

At 9:23 PM, Anonymous Anonymous said...

Vivo na província, se quiser ver a sarabanda bergmaniana (e quero), terei de ir à capital, de camioneta e munida de farnel;) Até nisso a sarabanda é só para alguns... Será que vale a pena? A ideia melhor que tenho de Bergman é via Woody Allen, no seu muito interessante "Setembro".
My (blind...)2 cents: se o filme é magistral no que retrata, então é magistral, mesmo. Se o que retrata é esse imenso glaciar humano que é aniquilador e cruel, tê-lo-á conseguido? Li algures que a figura mais marcante é a ausente, Anna, a memória de amor (absurdo, imerecido) pelos frios sobreviventes. Será?

Ana

 
At 9:57 PM, Blogger Horácio said...

mensagem do cinecartaz, em Aveiro:
"Este filme
não está em exibição
neste distrito"

Viva Sacha,

não vi o filme, por isso nada posso dizer meu camba...,mas sempre me incomodou a "pop arte cinzenta". Não sei se é o caso: terei de ver primeiro. :-)

Horácio

 
At 10:49 PM, Blogger Sacha said...

Viva Ana.

Não sei se me consegui explicar, nem se consigo melhor agora:

Não fiquei indiferente ao filme, fiquei mal disposto. Portanto provoca sensações fortes. Terá sido essa a intenção do autor? Como saber?

De qualquer forma, sim, não tenho dúvidas que o filme tem a assinatura-visão de autor capaz distinguir uma obra. Mas a boa arte tem dessas coisas: Obriga-nos a tomar partido. E penso que algo que tem "força" suficiente para nos causar repulsa, merece respeito. o que sinto é isso: respeito pela obra, pela sua força. Incapacidade e até recusa em celebra-la.


Quanto a Anna:
Sim, ela está ominipresente. Vitima do amor obcessivo e sufocante do seu marido ( que aparece no filme como o tal pai incestuoso)e provavelmente alvo de outro amor, mais maduro por parte do pai do marido.

Quanto a valer a pena? Não sei. Mas se o fores ver, vai numa tarde ensolarada....

 
At 2:15 PM, Anonymous Anonymous said...

Eu percebi o teu ponto de vista, Sacha, e estou cada vez mais curiosa para ver o filme. Parece-me que o único consenso é o do ambiente "glaciar" pelo qual não sou muito entusiasta, mas...pode ser que este gelo queime em vez de congelar:)
Falando em gelo, toda a gente que conheço e que viu o "Closer" adorou e eu saí de lá muito desapontada porque a "proximidade" que lá vi foi fútil e artificial, cheia de diálogos forçados na sua tentativa de "espontaneidade" e "complexidade".
Tenho grandes expectativas para o "Million Dollar Baby" depois de "Mystic River" e "Meia-Noite no Jardim do Bem e do Mal". Acho o CE muito muito bom!
Quanto à tarde ensolarada, se calhar ia ter um choque depois da sessão (e ia estragar a tarde, lol), melhor ir numa noite fria e de lua nova;)

Ana

 
At 3:49 PM, Anonymous Anonymous said...

1. Homens e mulheres:
os homens, apesar de serem crueis, repugnantes, ensimesmados e de uma fragilidade patética, são ou foram muito amados e cuidados pelas mulheres... porquê? Claro que todas sem excepção fogem (divórcio, morte, emancipação ou a loucura de uma das filhas do patriarca...) mas doi ver o amor tão maltratado, tão desencarnado...
O único momento em que o amor parece viver positivamente é quando Mariane, no fim do filme, consegue literal e metaforicamente tocar na filha doente mental.

2.Morte
A distância entre as personagens é abissal e parece que todos os "andamentos" preparam a morte anunciada em vida. Vemos as emoções em grande plano constantemente mas dá a impressão que cabeça e corpo são coisas diferentes. A morte-em-vida parece ser quase "natural"...Por isso Johan é especialmente repugnante.

3.Inutilidade
Tudo é escusado, todos estão condenados ao sofrimento, e a bondade/doçura um tanto out-of-place da narradora confirma isso mesmo. Até mesmo o gesto redentor do filme (o tocar na filha) esgota-se em si mesmo, é um momento iluminador mas adivinha-se que nada mudará.

Contas feitas, não me arrependo e achei um filme interessante q.b., sobretudo na questão homens/mulheres mas de certeza há maneiras mais ricas de tratar o Tempo, o Amor, a Dependência, a Morte, etc, etc. Mas, actores e actrizes são muito bons.

P.S. Não me estragou em nada o dia/noite: o jantar soube-me magnificamente (até porque não tinha levado o farnel;)) e depois fui dar um pé de salsa p'ó Barrio -- um final pouco bergmaniano:-)

 

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