28.5.05

Chacal.

Como você viu e viveu as transformações (se é que houve alguma) das décadas de 70, 80 e a atual.
É divertido falar disso, estando dentro da parada. Mudam os anos, os modos, o país, mudo eu. 70 foi um período sinistro, vertiginoso, cercado de treva e droga. Mas no meio algo brilhava: a luz negra dos poetas possessos. E a voz penetrou o silêncio imposto e fertilizou a poesia. 70 foram anos “punk”, de uma poesia urgente, mal acabada, irresistível, vital. A poesia olhava a vida nos olhos e dizia como era ela e vice-versa.
A torre de marfim, atingida pelo raio da vida, ruiu boquiaberta. E desses escombros, brotou o rock dos 80. Os poetas migraram para a música porque o som distorcido e amplificado das caixas de som eram as caixas de guerra que eles precisavam. A tecnologia veio junto com a indústria cultural. A poesia se performatizou, se profissionalizou, aprendeu os truques marqueteiros e aprofundou suas olheiras com maquiagem barata.
Nos 80, os poetas invadem os palcos, armados de guitarras até os dentes. Nas garagens da poesia, o verso era recauchutado. Cientistas do verbo, exasperados com tanto barulho e diluições, recuperavam o vigor do verso, a coluna vertebral do poema era estimulada como antídoto aos maus modos marginais. E chega 90 com seu jeito collorido. A biodiversidade campeia. A indústria drenou a alma do rock e partiu para o interior. As editoras deixaram o barco bêbado da poesia à deriva e os poetas acordaram. Dos laboratórios das faculdades de letras, veio à luz um verso novo, eivado de referências poéticas.
A poesia, cansada de lidar com a vida, de brigar para mudar o mundo, se volta para dentro de si mesma. Os cadernos de cultura exultam. As referências agora são mais fáceis de achar. Saem das ruas e vão para as bibliotecas e livrarias. Mas a contraparte dessa tendência estoura nas rádios e se chama rap, hip-hop, funk. A poesia falada, cantada no ritmo eletrônico, celebrando a miséria urbana. Final de milênio. Vale tudo que venha somar. Radicalmente.

Três antigas entrevistas de Chacal, agora disponíveis
aqui, na Cronópios

0 Comments:

Post a Comment

<< Home