22.5.05

...dentro ou fora da maquina do tempo

Os europeus e os africanos têm noções do tempo completamente distintas. A percepção que têm do tempo é diferente, assim como é diferente a relação que com ele mantêm. O europeu está convencido que o tempo tem uma existência exterior a ele próprio, uma existência objectiva e com uma natureza mensurável e linear. Para Newton o tempo era absoluto: «O tempo absoluto, real e matemático flui em si e na sua natureza uniformemente, sem relação com nada que lhe seja exterior…» O europeu vê-se a si próprio como uma escravo do tempo, está dependente dele, é-lhe submisso. Para poder existir e funcionar tem de respeitar as suas leis férreas imutáveis, as suas regras e princípios flexíveis. Tem de respeitar prazos, datas, dias e horas. Move-se dentro da máquina do tempo, não pode existir fora dela. Esta máquina impõe-lhe as suas obrigações, exigências e normas. Entre o homem e o tempo paira um conflito irresolúvel, que termina sempre com a derrota do homem – o tempo destrói-o.

(Para o africano) o tempo torna-se perceptível como consequência das nossas acções e desaparece quando deixamos de fazer alguma coisa ou não fazemos absolutamente nada. O tempo é uma matéria que pode, sob influência nossa, ser constantemente animada de vida, que mergulha, contudo num estado de sono profundo ou de não-existência, mal abdicamos da nossa energia. O tempo é uma categoria passiva e sobretudo dependente do homem.

Uma inversão completa do pensamento europeu.

Passando da teoria à prática: quando chegamos a uma aldeia na qual vai haver um reunião durante a tarde, e não encontramos ninguém no local do encontro não vale a pena perguntar: «quando é que a reunião começa?» A resposta é, pois já sobejamente conhecida: «quando todos estiverem presentes.»

(…)
Algures neste mundo circula e flui uma energia misteriosa que, quando se aproxima de nós nos preenche, nos dá força suficiente para colocar o tempo em movimento – há algo que se inicia. Mas, quando isso não acontece, somos obrigados a esperar – qualquer outro tipo de comportamento seria inútil e representaria uma atitude quixotesca
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Ryszard Kapuscinski, Ébano.
Edição Campo das letras, 2001.
(tradução de Maria Joana Guimarães)
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