12.8.05

Isso virou um “jazz” danado...

Almir Chediak-
Na sua formação quais eram as músicas que você gostava mais?

Tom Jobim -
Vamos pela ordem. No terreno popular, os músicos brasileiros que já citamos [ Ary Barroso, Dorival Caymmi, Pixinguinha, Garoto, Custódio Mesquita, Noel Rosa, José Maria de Abreu, Lamartine Babo, Ismael Silva, o Wilson Batista, Ataulfo Alves, João de Barro, Bororó].

No terreno erudito, o Villa-Lobos, Debussy, , Ravel, Bach, Beethoven, etc. Mas Villa-Lobos e Debussy são influências profundas na minha cabeça.

Ao Jazz, ao verdadeiro jazz não tive muito acesso. O que a gente ouvia aqui não era o jazz. Eram aquelas orquestras norte-americanas. O negócio do jazz era para coleccionador, para um cara rico, playboy coisa assim. Não sou um profundo conhecedor de jazz. Depois eu vi que os puristas daqui diziam que a Bossa Nova era "em cima" do jazz. Isso virou um “jazz” danado.

Quando esse pessoal dizia que a harmonia da Bossa Nova era americana, eu achava engraçado porque essa mesma harmonia já estava em Debussy. Não era americana coisa nenhuma. Chamar ao acorde de nona de uma invenção americana é um absurdo. Esses acordes de décima primeira, décima terceira, alteradas com tensões, com adendos, com notas acrescentadas, isso aí, você não pode chamar de americano. É americano do Norte, mas é americano do Sul também.

O americano pegou a Bossa Nova porque achou interessante. Se fosse uma cópia do jazz não interessaria. Cópia do jazz eles estão cansados de conhecer. Tem jazz sueco, jazz francês, jazz alemão – Alemão está cheio de jazz.

Depois passou-se a chamar jazz a tudo o que balança. Ora o que balança está nos Estados Unidos, em Cuba e Brasil. Isso é que balança. O resto vai de valsa, com os devidos respeitos para os austríacos.

Essa coisa do samba é por aqui: Brasil, Cuba – e todo o Caribe naturalmente – e os Estados Unidos. É claro, tem o Peru, mas ali é negócio de índio, é outra influência. Tem ritmos interessantes, como tem no Chile, no México, etc, mas não é a essência que nós temos – um negócio negro com um negócio branco.

É um problema de nomenclatura. É latin jazz, brazilian jazz, daqui a pouco a gente não sabe do que está falando. Se jazz fosse tudo o que balança, a música brasileira seria puro jazz. É preciso livrar o Brasil desses esquemas que acabaram inventando.

Eu enfrentei preconceitos enormes. Tocava uma nona e diziam que “o Tom toca be-bop”. Diziam que o [João] Donato era be-bopeiro, veja só. A gente tocava uma quarta aumentada, décima primeira e aparecia logo aquele cara para dizer : “olha aí. É be-bopeiro”. Isso vem naturalmente do facto de o Brasil ser um país de poucos pianos. A pessoa tinha poucas chances de tocar esses acordes, até porque, no violão, vocês precisa completar esses acordes com o cavaquinho. Se você quiser complicar ou ter muitas segundas juntas na parte harmónica, vai ter que fazer com dois violões. Ou inventar, como faz o Egberto Gismonti, que bota mais cordas no violão.

- Songbook Tom Jobim, 2º Volume, Lumiar Editora

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