Quando falamos em Humanidade estamos a falar de quem?
Chad refugee camp Geoff Crawford
Morning bath
Sudanese refugee children seven-year-old Guisama Djamal Ibrahim and three-year-old Araba Djamal Ibrahim take an early morning wash in Bredjing camp.
Quando falamos em Humanidade estamos a falar de quem?
De Guisama Ibrahim? De Araba Ibrahim? Dos n´dengues da banda esquecidos? De alguém que nunca vimos? De um rosto sem nome? De um homem sem corpo? De quem?
Assim não Habito
Horácio.
4 Comments:
Quando falamos da humanidade estamos a falar da humanidade. Toda ela. esteja onde estiver, viva onde viver. Por isso é que dramas como este estão perto, porque são dramas de todos nós.
Mas há, caro Horácio, quem prefira não acreditar no conceito de humanidadelembrei-me de uma frase que li há uns tempos, num blog que já expirou:
"O ZM tem assim razão em dizer que a direita tem uma visão negativa da natureza humana. A direita acredita nas pessoas, mas uma a uma, e não nas massas nem em abstracções colectivas. Temos amigos, mas não somos amigos da Humanidade"
Sabes de quem é a frase? Olha é do Pedro Mexia
Eu por mim tenho uma visão positiva da natureza humana. Acredito que ela tende para o bem. será fé? talvez. Mas acho que essa fé é a unica razão para colocar imagens e textos como estes dois últimos que puseste. Se não é apenas um exercicio de voyeurismo. Porque se não acreditas ideia de humanidade seja algo que valha a pena, então para quê denunciar,falar, discutir e tentar fazer algo perante dramas como este?
Para que foram as imagens que puseste? Será que servem apenas de preâmbulo e inspiração para levantar questões metafísicas?
Assim respondi ao comentário do Sacha, publicando o texto na A Fonte:
Habita em nossa casa
Não acredito (embora não ache que a questão em causa seja de crença) em conceitos inestéticos, no sentido em que para mim não existe pensamento que não seja sensível (aisthesis), que não seja vivido no corpo. Os pensamentos e as sensações não são dois mundos cindidos. O entendimento tido como uma faculdade do sujeito ou um poder de produzir ideias e conceitos sem relação com o corpo, com o mundo, com a experiência, não o admito.
Para mim não existem ideias sem tempo. Não existe tempo desocupado. Todo o tempo habito-o: o tempo é o endereço da minha moradia, do meu ethos.
A minha casa, é o meu corpo; ele é entrecruzamento, o quiasma, do visivél e do invisível, de mim e do mundo, da fala e do silêncio, do eu e do outro. É o “aqui” de onde emana o meu olhar que vendo vê-se.
Humanidade: Que palavra é essa? O que se esconde por de trás dela? O que ela significa? Que arte é esta a nossa de universalizar ou de sermos universalizados? Que universalidade sensível se dá a ver por de trás deste conceito? Que humanidade é esta que antes de falar a sinto? Que sensação é esta “sem conceito” que integra em mim a singularidade e a universalidade?
Como posso sentir no peito tão feroz e bela palavra e mesmo assim suportar a gravidade? Como posso dormir, no mesmo leito que ela, sossegado? Como posso medir os seus anseios? O que será de mim sem ela?
A questão que levantei no texto "Quando falamos em Humanidade estamos a falar de quem?" pretende interrogar acerca do âmago (noyau), o que está no meio, no interior de tal sensação, desta percepção que chamamos Humanidade.
Quando coloco em causa o conceito de Humanidade, não pretendo torná-la num conceito abstracto, mas exactamente o contrário, buscando o seu a-conceptual interrogo-me acerca de que sensações, de que sentimentos se encobrem nessa palavra.
Não devemos interpretar a-conceptualidade, este “pensar sem conceito”, como uma orientação para o irracional, para o inconceptual. O a-conceptual – “sem conceito” – traduz ao contrário, na minha opinião, uma maior racionalidade, uma racionalidade mais profunda, mais radical e ante-predicativa, antes de ser uma relação entre um sujeito e um objecto.
Recordo-me de um passagem lindíssima de Merleau-Ponty, na sua obra Fenomenologia da Percepção:
“ o sensível devolve-me o que lhe emprestei, mas é dele que eu o obtivera. Eu que contemplo o azul do céu, não sou diante dele um sujeito acósmico, não o possuo em pensamento (…) abandono-me a ele, mergulho neste mistério, ele pensa-se em mim, eu sou o próprio céu que se reúne, que se recolhe e começa a existir para si e a minha consciência é devorada por este azul ilimitado”
Claro que não é azul do céu que me devora quando olho para as fotografias de Darfur. Mas uma tristeza profunda, uma apatia face ao terror.
Quando questiono “De quem?” é para realçar que são pessoas como nós e não coisas, simples números. Ao homem eu não pergunto “O que é?” mas “Quem é?”. E este “Quem” é um homem de “carne e osso” como diz Unamuno que não é apenas uma realidade física objectivada, ie, não é apenas matéria, nem espírito, nem tão pouco substância, mas é muito mais: é um homem que como nós, à nossa semelhança e não à de um Deus qualquer, sente, chora, sorri, em suma, habita em nossa casa.
Infelizmente à pessoas que menosprezam a reflexão dos outros devido aos seus de pre-conceitos.
Assim é que partilhamos ideias, trocamos cumplicidades, expomos divergências sobre o mundo?
Horácio
Parece-me obvio que não há menosprezo nenhum da reflexão "dos outros". Pelo contrário há muito respeito.
Se houvesse menosprezo nem teria havido resposta.
Parece-que que esses "outros" que reflectem estão pouco habituados a confrontação de ideias. Confrontação no plano estrito das ideias.
O que há é o sentimento de estranheza súbita, pelo nosso vizinho, com quem nos comemos pão e bebemos vinho, ser afinal assim tão estranho.
É fácil chamar os outros de estranhos, de estrangeiros, para nos sentirmos aliviados.
Horácio
Post a Comment
<< Home