28.10.04

Crónicas Lidas II

(...) O país pode estar nos últimos lugares da Europa em tudo o que é positivo e pode encontrar-se nos lugares cimeiros em tudo o que é negativo, mas no plano do humor os progressos têm sido consideráveis. Deve-se isso por um lado à Mandala, à Contra-Informação (..) Deve-se por outro a "O Inimigo Público"(...) Mas uma onda de humor parece ter tomado conta do país e não há personagem pública ou privada que lhe resista.

Neste plano, devemos distinguir entre o humor subjectivo, que é aquele em que o sujeito faz humor porque tem intenção de fazer humor, e o humor objectivo, que é aquele em que o sujeito faz humor sem se dar conta de que está a fazer humor. Um caso de humor objectivo é o do ministro Rui Gomes da Silva (...) que inventou uma cabala entre o PÚBLICO, o "Expresso" (...) e Marcelo Rebelo de Sousa, e depois disse que se tratava de uma "cabala involuntária".

Mas exemplos não faltam. Quando o homem-forte do PSD no Porto, o gladiador e celebrado Marco António, diz que o PSD deve apoiar os candidatos que podem ganhar e esclarece que o major Valentim Loureiro é alguém acima de qualquer suspeita, um cidadão com um percurso irrepreensível, que terá o apoio da sua estrutura partidária, e será um excelente presidente da Câmara de Gondomar, Marco António não só mostra que o PSD para ganhar está disposto a tudo, como acrescenta a isto uma exuberante nota de humor negro.

E quando o ministro da República na Madeira, Monteiro Diniz, vem afirmar, em entrevista ao "Diário de Notícias" do Funchal, que "sem hesitação nenhuma" pensa que Alberto João Jardim "é um homem culto, muito inteligente, com um educação esmerada e um alto sentido de Estado" e que "não existe défice democrático na Madeira", a gente imagina como ele se rebolou a rir ao dizer estas coisas e mostrou à família, que ficou em êxtase com o seu inegável sentido cómico.

Quando Sotto Moura declara que o último partido a prejudicar seria o PS, uma vez que foi o PS que o designou (há horas felizes), a gente não resiste a um humor que tanto tem ilustrado o exuberante princípio que diz que "cada cavadela uma minhoca".

Quando Paes do Amaral (ainda não percebi se o homem é "e" ou "i") afirma que o famoso almoço com o Marcelo já estava combinado há muito e visava obter uns preciosos conselhos do amigo e professor e que nem uma só vez falaram das pressões governamentais (nem mesmo das que sofreu sob a ditadura de Cavaco Silva com uns fiscais de impostos que lhe entraram pela casa dentro), a gente fica perante uma alternativa: ou Paes do Amaral nos toma por parvos ou possui um extraordinário sentido de humor.

in "Como é Diferente o Humor em Portugal" por Eduardo Prado Coelho no Público

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