12.3.05

Coisas Lidas: Deixa-me partir

A protegida de Frankie, Maggie Fitzgerald, que vive em agonia numa cama de hospital, quer que ele ponha fim àquilo. Quer morrer como viveu: sem depender de ninguém. Quer ficar com o melhor das suas memórias. Frankie pergunta a um padre o que fazer e recebe a mesma resposta resignada de sempre: que deixe nas mãos de Deus. Frankie responde: «Não foi a Deus que ela pediu a ajuda. Foi a mim.»

Ramón Sampedro, tal como Maggie, é tetraplégico. Viveu 28 anos deitado numa cama. As memórias de uma vida foram-se perdendo e, de repente, para ver mar era preciso fechar os olhos. Como ela, quer ser ele a decidir a vida que não quer ter. Ramón pede ajuda ao Estado que lhe dá a mesma resposta burocrática de sempre: quem o ajudar será um criminoso.

Não se trata de saber se um tetraplégico pode ou não ser feliz. Não sou tetraplégico e sei muito pouco sobre a felicidade dos outros. Sei apenas que a nossa vida não é propriedade colectiva. Que só há liberdade quando somos, o mais que podermos, donos do nosso destino. E, acima de todas as liberdades na vida, a mais pessoal e indiscutível é a de decidir não viver. Quando a propriedade privada se transformou num valor tão sagrado que em nome dela todas as misérias são hoje toleráveis, a única propriedade que realmente conta, a da nossa vida, parece continuar a ser um bem colectivo.

“Million Dollar Baby” e “Mar Adentro” dizem-nos o mesmo: o mais incondicional dos amores é o que deixa o outro partir. E enquanto a Igreja e o Estado quiserem regular o amor só podemos esperar o pior.


Daniel Oliveira no Barnabé.

1 Comments:

At 12:01 AM, Anonymous Anonymous said...

Vi ontem "Mar Adentro" mas foi a Rosa (é ficcional ou real?...)quem mais me impressionou. Ela não se limitou a deixar o seu amor partir, foi ela a mão instrumental na morte por ele desejada. Amou-o, libertou-o. A mão que queria à viva força cuidar foi também aquela que matou... Se a Rosa existir mesmo, seria interessante saber se o seu acto também a libertou ou não.

Ana

 

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