22.7.05

Ganhemos, perdendo tempo com outras coisas



“Estou sozinho no meio destas vozes alegres e razoáveis. Todos estes fulanos passam o tempo a explicar-se uns aos outros a reconhecer com contentamento que são da mesma opinião”

A náusea, Jean-Paul Sartre



Sinceramente não apetece nada falar disto. Nada disto parece ter importância. Não apetece dar mais importância a "isto" do que “isto” dá a nós. Serve só para entreter. É apenas uma opereta medíocre resultante de um libreto mais que duvidoso. Não apetece perder tempo com isto, quando se pode perder tempo com outras coisas.

Nem o professor ministro que sonha ser outra coisa, transmutando-se em algo que nunca foi; Nem sequer o professor que desistiu de ser ministro, cansado que estava de não ser ouvido e que preferiu por isso regressar ao silêncio; nem tão-pouco o professor que até já descansou muito tempo, e prepara-se para voltar e acabar com a trágica situação, qual mítico Dom, que morreu algures numa Alcácer que não é do Sal, e que nunca se engana, mas é bem melhor que Tirésias, pois não é cego nem nada.

Perdoem-me o aburguesamento, mas o que apetece mesmo é Sal e Sol. Sal na pele e sal no peixe, sol na cara, peixe na grelha. Um pouco de chuva também não era nada mal. Sobretudo por causa dos incêndios.


Quem não gostar de perder tempo, sentir que não precisa de férias e estiver mesmo ansioso por uma causa, por uma luta, por uma demanda, então que escolha uma que valha a pena. É muito fácil encontrá-la. Assim podemos deixar os alegres e razoáveis professores a explicarem-se uns aos outros, reconhecendo, com contentamento, que são da mesma opinião, mas que também e pelo contrário, não.

20.7.05



África Festival [21-24, 22h, Concertos em Monsanto, Palco Sagres Bohemia - Anfiteatro Keil do Amaral, Entrada Livre! ]
21 de Julho 22h00
Zap Mama
(Bélgica)/ Manecas Costa (Guiné Bissau)
22 de Julho 22h00
Ali Farka Touré (Mali) convida Toumani Diabaté/ Mabulu (Moçambique)
23 de Julho 22h00
Ray Lema & Chico César
(Rep.Dem. Congo/Brasil)/ Waldemar Bastos (Angola)
24 de Julho 22h00
Tito Paris Acústico com Orquestra de Câmara
(Cabo-Verde)/ Lura (Cabo-Verde)

Em Lisboa: África Festival vai começar amanhã

Pergunta: É possível fazer um festival de música africana atractivo e de qualidade sem a presença de músicos de três dos quatro países africanos (Camarões, Nigéria, Africa do Sul, Mali) mais importantes do ponto de vista da criatividade, diversidade e produtividade musical?

A resposta parece ser sim.
Eis as cinco razões:

1º Ali Farka Toure: O guitarrista maliano é um dos músicos africanos mais celebrados. O som eléctrico cheio de reverb que ecoa da sua guitarra, misturado com as percussões tradicionais fizeram discos como niafunké e talking timbuktu (com Ry Cooder) verdadeiras gemas na lista de qualquer coleccionador de world music. Ao vivo, Ali Farka Toure não costuma deixar os seus créditos por mãos alheias. E ao que parece vem consigo o seu compatriota Toumani Diabaté, um dos virtuosos da Kora maliense.

2º Ray Lema & Chico César: Ray é um dos músicos mais sofisticados e ecléticos no panorama da World Music. Pianista e compositor congolês (ex-zaire), da sua discografia registam-se projectos com grupos corais femininos búlgaros, parcerias com o músico de jazz vanguardista Joaquim Kuhn ( Euro African suite), até a exploração do itinerário musical marroquino em colaboração com os Tyour Gnaoua (Safi). Ray e Chico conheceram-se em 1998 quando o primeiro foi tocar num concerto em São Paulo. A ideia de fazerem uma tournée juntos surgiu o ano passado no rio de Janeiro. Ainda em terras brasileiras fizeram quatro concertos juntos. Correu tão bem que decidiram não parar por aqui.

A despeito do que se disse acima devo dizer que os outros dois concertos de Lema que se viram em Portugal não foram propriamente inesquecíveis. Quer com os Tyour Gnoua, quer com Manu Dibango (no Rock in Rio Lisboa) ficou a sensação que Ray talvez pudesse ter dado um pouco mais em palco. Sendo um estudioso compositor, parece-nos que é daqueles músicos que se movimenta melhor em estúdio. Mas, como se costuma dizer que a terceira é de vez….


- 3º Manecas Costa: O músico guineense é talvez a melhor coisa que apareceu no panorama da música africana lusófona nos últimos anos. O seu último disco Paraíso di Gumbe gravado na Guiné e com uma produção simplesmente excelente foi editado pela Late Junction/BBC em 2003 e recebeu de elogios de todas as revistas especializadas. A música é quase totalmente acústica (apenas algumas guitarras eléctricas aqui e ali) e flutua entre uma melancolia e um optimismo cheio de sol e sal.

- 4º ZAP MAMA: Na realidade, Zap Mama já não são bem as Zap Mama. Do grupo original que fez o disco Sabsylma (só com vozes e percussões) já só resta a líder Marie Doulne, vocalista e compositora belga de ascendência congolesa (ex-zaire). Marie foi-se sentindo mais atraída pelos sons electrónicos e dançantes, o projecto tornou-se mais pessoal e algumas “meninas” partiram. Algumas tornaram-se estrelas por si só – casos de Sally Nyolo e Sabine Kabongo. Marie Doulne preferiu manter o nome do grupo, completando-o com uma formação vocal mais flutuante que incluía a sua irmã Anita. Tornou-o mais electrónico e aberto a colaborações vindas do Soul e Hip-Hop americanos (The Roots, Erika Badu). No disco á Ma Zone não tem pejo em escrever na contra capa: “Zap Mama is Marie”.

A música mudou é certo, mas a qualidade não sofreu e a alegria muito menos. A mistura de vozes étnicas com grooves electrónicos não só funciona com abre um leque de novas possibilidades.


-5º Tito Paris: Este é verdadeiramente um concerto a não perder: Tito vai realizar o projecto com que sempre sonhou e do qual já se falou aqui: tocar morna acompanhado por uma orquestra.

O festival conta ainda com as participações da belíssima e talentosa cantora cabo-verdiana Lura, do grupo moçambicano Mabulu, e do compositor e cantor angolano Waldemar Bastos.

Não conheço o grupo Mabulu, mas vem bem referenciado. É uma mistura de marrabenta – musica tradicional moçambicana – com ritmos orientados para o groove e o hip-hop. A idade dos músicos vai dos 25 anos aos 75 o que não deixa de ser curioso.


Uma crítica final: consegue-se perceber pelo cartaz que houve uma preocupação com equilíbrio entre músicas das africas lusófonas e músicas de outras africas. No entanto o que já se torna um pouco cansativo é o facto de que sempre que se pensa em música angolana aparecerem sempre um de dois nomes: Waldemar Bastos ou Bonga. Percebe-se: residem em Portugal o que diminui os custos, conhecem o meio, o meio conhece-os a eles. Mas talvez por isso mesmo devia-se aproveitar a ocasião de um festival destes para trazer outras vozes menos habituais. De Angola poderia ter vindo por exemplo, Filipe Mukenga (para mim, o melhor compositor angolano vivo), Lulendo, Wiza ou até mesmo Paulo Flores com o seu projecto Quintal do Semba., acústico e revivalista


Enfim, um festival que promete.

Programa do festival: Lisboa Cultural
Ler mais sobre os músicos: At-Tambur

11.7.05


descansando os olhos: Saanjhi dhoop, Geeta Vadhera



- Confronting Empire, Eqbal Ahmad, David Barsamian, Pluto Press, 2000. ( com prefácio de Edward Said)

- Terrorism: Theirs and Ours, Eqbal Ahmad, David Barsamian, Seven Stories Press, 2001.

Eqbal Ahmad

Dois textos antigos (pré 11 de Setembro) mas ainda assim plenamente actuais, escritos por um dos pensadores que mais admiro: Eqbal Ahmad, falecido em 1998.

1)
A transcrição de "Terrorism: Theirs and ours" uma conferência de Eqbal Ahmad Foi este texto que depois deu origem ao livro homónimo feito de entrevistas de David Barsamian.

2)
Aqui sobre o mesmo tema, a versão em entrevista com David Barsamian. A mesma que está transcrita no “Confronting Empire”

10.7.05

Haynes numa tarde de verão



Um sábado de verão, final de tarde, chegamos em cima da hora, mas tivemos sorte: o concerto ainda não começou. Houve tempo para uma bebida fresca e para procurar calmamente o lugar possível que harmonizasse os dois sentidos: audição e visão.

Estamos em cascais, parque Palmela. É mais um dia do Estoril Jazz

O grupo? O quarteto de Roy Haynes.

As expectativas são altas. Afinal Roy Haynes é - aos 80 anos e tendo tocado com todos os verdadeiros gigantes da história do jazz - uma autêntica lenda viva.

A música começa, os temas e as improvisações sucedem-se umas as outras. Estes músicos brincam em serviço e levam muito a sério a brincadeira e Haynes, que não é de muitas palavras, toca com o entusiasmo de um menino que acabou de receber a sua primeira bateria, mas com o domínio só ao alcance do que ele é: Um mestre.

Mesmo sendo jovens, não vale a pena gastar muitos adjectivos para ilustrar a qualidade obrigatória de qualquer músico que tem o privilégio de pertencer ao quarteto deste líder. E Haynes "está lá", liderando-os, impulsionando-os e arrebatando-os, a eles e a nós todos. Desnecessário será dizer que nunca descobriremos a fonte da sua juventude.




PS- Um agradecimento ao João Moreira dos Santos, do Jazz no País do Improviso, pelos bilhetes e parabéns pelas 40000 visitas.

8.7.05

Sem legitimidade para comentar

Não faço comentários de circunstância nem me mostro chocado.

Por todo o mundo, governos, parlamentos e partidos enviaram mensagens de pesar e condolências aos habitantes de Londres, ao povo britânico.

Jornalistas, fazedores de opinião, bloguistas desdobram-se em comentários, análises e considerações. Leio que «90 minutos após a primeira deflagração, já tinham sido colocados na Internet 1300 posts sobre os atentados, de acordo com o site Technorati»


Durante os últimos meses, no Iraque, têm morrido, quase todos os dias, pessoas, vítimas do mesmo terrorismo, da mesma Al Quaeda, vítimas também de outras organizações e de outros – não menos execráveis – terrorismos. Algum governo, parlamento ou partido envia mensagens de pesar e condolência as famílias dessas pessoas? Teria de faze-lo quase todos os dias, bem sei. Pois é, estamos habituados a vê-los morrer. Jantamos vendo essas imagens na televisão. O horror do “lado” “deles” não nos choca. Já quase nem é notícia.

Tivemos imensas oportunidades de fazer comentários, análises e considerações. Tivemos várias oportunidades de nos mostrarmos chocados. Eu, que no passado não o fiz, sei e sinto que agora não tenho legitimidade.

O significado deste tipo de actos, da morte, da violência e do horror não podem ser diferentes consoante a localização geográfica das vítimas. E dizer isto não significa menos respeito por nenhuma delas.

6.7.05

Wim Mertens

A entrevista que deu a Ana Sousa Dias, é "outra coisa".

Se já tinha um inevitável respeito pelo compositor, passei a admirar o homem, pela sua sensiblidade, pela audácia do seu pensamento (algumas das críticas que faz a academização, sistematização e reprodução na música), pela simplicidade.


Repete sexta feira as 15.15 - "Por outro lado", na 2:

Vinícius na Praia

A Praia homenageia Vinícius de Moraes, por ocasião dos 25 anos que passaram desde a sua morte.

Eis o programa:

A isto chama-se serviço público de qualidade.

Novo Som

Presumindo que os visitantes mais habituais já estavam um pouco saturados do “jóia” sonora de Bennie Maupin e como não queria que pensassem que o pessoal do Abre-Surdo é tão obsessivo quanto o “Rádio” Rahim – personagem do filme “Do the Right Thing” – resolveu-se mudar o som, sem alterar muito a sonoridade. Agora, quem entrar nesta casa ouve (se quiser, se os neurónios do lobos temporais estiverem para aí virados) meia hora de Mr. Herbie Hancock

Leileteia...

Alguém sabe o que lhe aconteceu?

5.7.05

Notas antiglobalistas em vésperas de G8.

Ao contrário do que diz – em voz alta ou subliminarmente- a inteligência fazedora de opinião, o antiglobalismo não é apenas coisa de "comunas", "radicais ecologistas", "anarcas" e outros perigosos vermelhaços, supostamente mal cheirosos, comedores de criancinhas ao pequeno-almoço e de fetos ao jantar.

Não. A oposição a esta globalização mercantil é uma parte importante da acção de um republicanismo consciente, empenhado que perceba a diferença entre Democracia e democratismo.

Do perdão

Breves comentários a dois trechos do artigo "Haverá mesmo perdão?" de Eugénio Costa Almeida


1 ) O problema do G8 não está no perdão da dívida. Na prática eles nada, ou quase nada, vão despender com o perdão. Serão o Banco Mundial, o FMI e o BAD quem o irão fazer; certo que os países industrializados irão compensar o BM e o BAD, mas o FMI assegurará sozinho esse perdão. Sozinho? Não. Os membros do FMI terão de se quotizar para fazer face a este buraco de 6 mil milhões de euros.

Mas então o que dá o G8 com o perdão da dívida. Simples. Mais capacidade aos países perdoados para se armarem e continuarem com os seus desmandos sociais e políticos.

Sim, por um lado. Mas não só. O que o G8, o FMI e o Banco Mundial ganham obviamente é a capacidade de poderem aprofundar a sua intromissão na política económica de alguns desses países e impondo o já habitual pacote de medidas neoliberais “globalizadoras”. Mais: alguns investimentos privados de empresas afectas aos “perdoadores” verão aumentada a sua “força persuasora”. E nem é preciso lembrar as astronómicas taxas de juro que esses interesses privados conseguem impor.

2) Que credibilidade merecem países como Etiópia, Mauritânia, Uganda, ou Mali, para serem credores do perdão devido a medidas de transparência e luta contra a corrupção se entre eles estão alguns dos maiores consumidores de armas – o Reino Unido que o diga – e postos avançados da corrupção em África.


Volto a Concordar. Parcialmente. Só que é legítimo por a questão ao contrário: Que credibilidade merecem o Reino, os EUA e a França se continuam a vender armas a alguns dos mesmos países a quem a dívida pretendem perdoar. Agem de forma semelhante a drug dealers: “nós perdoamos a dose de ontem, mas continuem a vir cá, nós, fornecemo-vos o bom produto.” .

José Trocas-te

No único debate televisivo em que participou, quando a questão da idade da reforma veio à baila, Sócrates acusou todos outros candidatos (da direita e da esquerda) de irresponsabilidade, por terem opinião. Quer fossem a favor ou contra o aumento da idade da reforma. “Sem um estudo prévio sobre os efeitos dessa medida na segurança social, é irresponsável estar a dar opiniões”, dizia. Pois bem, em que estudo se baseia ele agora para aumentar a idade da reforma?

Porque será que nenhum jornalista lhe faz essa pergunta?

Não é embuste, é a Bicicleta


O homem pertence aquela raça de políticos que trata os eleitores como criancinhas a quem não se pode dizer a verdade. Para ele o importante é que haja, muito objectivamente, um resquício de verdade, algures, microscópica. Anuncia-se como o Pai Natal. Promete como prenda uma bicicleta. Depois desenha num papel um triângulo com dois círculos, enrola, põe-lhe um fitinha e anuncia : «Aqui está. Olhem só: que bela bicicleta!»

Anti-Socrático: Do báu do Abre - 8/2/2005

Este Sócrates- sobre o qual, só sei que nada sei, porque ele nada me diz (e quando diz, não gosto) – e este PS que comanda o PS, com certeza não são de esquerda. São, quando muito, um partido “para-a-frentista” sensivelmente permeável a algumas ideias de esquerda.

4.7.05

O "ouvido de dentro"


Playing Harmonica, Barnie Prendergast.

«O senhor Maestro, como funcionário do ministério da cultura, já sabe, a reforma vai ter de esperar mais uns aninhos»
« Mas eu tenho otoesclerose, estou a ficar surdo. Tenho o relatório médico»
« Oh Maestro, pelo amor de deus, por quem nos toma? Nós estamos preparados, estudamos todos os dossiers, conhecemos o caso de Beethoven, sabemos que para Villa-Lobos o "ouvido de dentro" é que importava.»

Sem silêncio não há música

1
Quinze dias de silêncio.
Simplesmente não tinha o que dizer.
Ou melhor: das coisas que podia dizer, nenhuma era verdadeiramente sentida. O “sentir”, a “alma” estava virada para outro lado. Ainda está, um pouco.

Claro que poderia ter continuado a escrever, falando sobre coisas pensadas, ensaiadas, racionalizadas, pré-programadas. Mas não valia a pena. Sem “alma”, não há “blues” que resista. Podem-se tocar as mesmíssimas escalas, improvisar nos mesmos doze compassos, tocar os habituais acordes ou tentar os seus lógicos substitutos. Não importa o formato, sem alma, nada feito.

2
Devo dizer que o tempo de silêncio não foi programado. Mas a E-clair assumiu tão bem as despesas da casa, que, com menos pressão para re-bloggar, confesso que resolvi prolongar o ócio. Além do mais, os amigos “vigilantes” não mais têm reclamado do caos que era este espaço. Bom sinal.

Não sei se ainda sei fazer isto. Provavelmente nunca soube. De qualquer maneira, perdoem-me a presunção e o atrevimento de me inspirar nas palavras de Miles Davis. Dizia este, para explicar porque proibia os seus músicos de ensaiar: “eu pago-lhes para errarem em palco”. Assim sendo, preparem-se os amigos vigilantes: Posts e textos mal pensados, provavelmente mal escritos, sem alinhamento temático nem qualquer tipo de ordem, concebidos por uma alma amarfanhada, mas ainda assim razoavelmente retorcida, serão publicados brevemente, aqui, no vosso, nosso Abre-Surdo.