31.1.05

Vale a pena dar uma olhadela a polémica entre os "barnabitas"

Aqui: maturidade, por pedro oliveira
A resposta: maturidade ou senilidade, por daniel oliveira
A (primeira) síntese buscando um equilibrio: tudo vira posta, por rui tavares


Digo desde já que a posição da qual me sinto mais longe é a de pedro oliveira.

30.1.05

Louçã e Freitas , por Eduardo Prado Coelho

Louçã

O que ocorreu no debate entre Louçã e Portas foi obviamente uma derrapagem do mais celebrado parlamentar português, e do único líder que tem mantido uma imagem sempre positiva nas sondagens. Não está em causa os valores de liberdade e o sentido democrático que dominam hoje os dirigentes do Bloco de Esquerda. Só por má-fé se pode compreender a vaga de indignação reaccionária que veio chamar a Louçã "reaccionário". Neste domínio, ninguém menos apropriado do que Bagão Félix para vir falar em "neofascismo". Desconheço qual é o passado antifascista de Bagão Félix e suspeito que esta ânsia de encontrar a palavra mais radical seja apenas uma tentativa para esconder o descalabro do Orçamento que apresentou e a forma atabalhoada com que concluiu a sua presença na governação: era difícil fazer pior, sobretudo quando se tinha uma imagem de rigor e competência.

Mas Louçã errou. Veio aplicar a um debate televisivo entre dois políticos o princípio caseiro de "Bem prega Frei Tomás, fazei como ele diz e não como ele faz". Ora, felizmente na política portuguesa, as referências à vida particular de cada um têm sido cuidadosamente banidas. É um princípio saudável, que se deve manter, sobretudo em áreas que têm a ver com os comportamentos "morais" das pessoas.

O aspecto positivo da atitude de Louçã está no facto de, sem dizer que a frase estava fora do contexto, ter tido a coragem de afirmar que não tinha utilizado a melhor fórmula e aceitar ter cometido um erro argumentativo e pessoal. São raros os políticos que são capazes de reconhecer os seus próprios erros. E, no entanto, todos nós erramos.

Freitas do Amaral

Freitas do Amaral tem tido um percurso errático? Esse adjectivo que Raul Vaz utilizou aos microfones da Antena 1 parece-me inadequado. Errático é o comportamento de Santana Lopes, que de manhã diz que não vai voltar a atacar o Presidente da República, e à noite esquece-se e desata a disparar sobre Sampaio. Errático é um comportamento aos ziguezagues.

Ora, o que sucede com Freitas do Amaral é um percurso que o aproxima da esquerda, mas um percurso coerente, e cada vez mais marcado pela preocupação pelo interesse nacional.

Já tenho mais dúvidas em relação à coerência de Pinto Balsemão, quando diz na televisão que irá votar pelo seu partido, o PSD. Nota-se que evita dizer o nome de Santana Lopes. Mas, se Balsemão considera, como deixa entender, que Santana Lopes e o seu grupo são maus governantes, o que é que deveria fazer em nome do interessa nacional? Abster-se, votar branco, mas não ceder a um partido que tem à frente alguém com quem não compartilha nem o estilo, nem as convicções.

O texto de Freitas do Amaral na "Visão", exprimindo o seu apoio inequívoco a Sócrates, é, por um lado, o reconhecimento de um erro: o projecto Durão Barroso-Paulo Portas não trouxe nenhuma das soluções de que o país necessita. É, por outro lado, uma posição sincera e firme em nome dos interesses do país tomada por um homem livre de sujeições em relação à lógica torturada dos partidos. Constitui desde já um dos acontecimentos fundamentais desta campanha.


Felizmente há quem escreva -bem- o que, nós outros, não conseguiriamos jamais de forma tão clara e simples dizer.

29.1.05


Descansando os Olhos: Viteix. Posted by Hello

cais


para quem quer se soltar
invento o cais
invento mais que a solidão me dá.
invento lua nova a clarear.
invento o amor
e sei a dor, de me lançar.

eu queria ser feliz
invento o mar
invento em mim,
o sonhador.

para quem quer me seguir
eu quero mais
tenho o caminho do sempre quis
e um saveiro, pronto pra partir
invento o cais
e sei a vez,
de me lançar...

(cais: música- milton nascimento, letra- ronaldo bastos) Posted by Hello


Prezado amigo Afonsinho
Eu continuo aqui mesmo
Aperfeiçoando o imperfeito
Dando tempo, dando um jeito
Desprezando a perfeição
Que a perfeição é uma meta
Defendida pelo goleiro
Que joga na seleção
E eu não sou Pelé, nem nada
Se muito for eu sou um Tostão

Fazer um gol nesta partida não é fácil, meu irmão.

(Meio de campo, Gilberto Gil) Posted by Hello


A entrevista fornece um insight melancólico do universo interior da cantora, rondado por paranóias e perseguições. É triste que, com apenas 28 anos, uma das maiores cantoras do país, com uma carreira ascendente, desse declarações como: "já não se faz mais pessoas como se fazia antigamente" ou "as coisas andam tão esquisitas hoje em dia que a gente anda ressabiado de dizer que gosta das pessoas".

(Antonio Farinaci) fonte


"Mãe....Nós estamos muito felizes! Finalmente conseguimos lançar o seu primeiro DVD, depois de tantos anos de espera. Foio trabalho mais longo e gratificante das nossas vidas. E o mais curioso...lançado pela TRAMA, que você e o César [ Camargo Mariano] fundaram nos anos 70. tivemos de abrir nossa própria gravadora pra que todos te pudessem te rever e muitos te conhecer. Amém! Gostaria de dedicar esse projecto ao nosso amor por você. ...Saudades eternas"

João
[ Marcelo Bôscoli]

do livro interior do dvd.

editora TRAMA


Originalmente gravado em películas Quadruplex e de duas polegadas ( dois formatos fora de uso há muitos anos) as imagens e o som foram transferidos digitalmente para computador, onde:

1.As imagens foram restauradoas by frame (quadro-a-quadro), removendo as imperfeições geradas pela degradação do filme (12 meses de trabalho nessa etapa)

2. O áudio foi restaurado de forma a eliminar distorções , saturações, ruídos e chiados do filme. Como foi originalmente gravado em sistema Mono, é impossível refazer a mixagem, pois todos os instrumentos e a voz estão concentrados num único canal.

Foi conseguido o melhor resultado que a tecnologia actual permite alcançar.


Nas entrevistas ela fala sobre várias coisas, entre elas, sua admiração por Gilberto Gil, sobre sua família, seu início de carreira, seu afastamento do amigo Edu Lobo, sua espiritualidade, sobre Vinicius de Moraes, sobre Baden Powell, o fim do programa ‘O Fino da Bossa’ e outras coisas bastante íntimas. Ela dá uma informação muito interessante, sobre como perdeu a chance de gravar 12 músicas de Chico Buarque que ficaram famosas na voz de Nara Leão.

fonte


Programa gravado por Elis Regina para a TV Cultura, em 1973, na série de entrevistas "MPB Especial", dirigida por Fernando Faro, posteriormente denominada "Ensaio". Este DVD -primeiro vídeo de Elis Regina já lançado- inaugura uma série de dez edições do programa que deverão sair pela gravadora Trama, em parceria com a TV Cultura e com a produtora Teleimage, responsável pelo restauro das imagens. Entre uma música e outra a cantora fala sobre sua carreira e sobre sua vida. Em muitos trechos, faz falta um texto anexo que contextualize informações e explique imprecisões nos depoimentos, como nomes de músicos, compositores, discos, além de datas e informações históricas. A restauração da fita levou 11 meses para ser feita e seguiu critérios cuidadosos que respeitaram a captação original.(...) Em ótima forma, Elis interpreta clássicos de seu repertório, como "Ladeira da Preguiça", "Upa Neguinho" e "Águas de Março", entre outros (...)


(antonio farinaci)
fonte


O ano é 1973, as imagens em preto-e-branco. "Meu pai já previa que eu seria uma cantora ao me dar esse nome", diz, antes de um close nas mãos inquietas denunciar o temperamento forte, daquela que se tornaria a maior cantora do Brasil Posted by Hello

Só Elis

Com a excepção de cinco minutos de uma música no festival de Jazz de Montreux, nunca antes tinha visto imagens de Elis Regina. Nem a cantar e muito menos a falar sobre o que quer que fosse.


Já estava a espera que o dvd “Elis Regina MPB especial-1973” fosse de facto algo especial. Só não sabia não sabia quão especial, nem de que maneira.

As imagens são a preto e branco, o som apesar de totalmente restaurado continua a ser mono (porque com a tecnologia actual é impossível voltar a mixar o que foi gravado directamente num só canal). Mas tudo isso não é importante e não deve demover ninguém de adquirir este DVD. Porquê? Eis os motivos:

1. Porque ver Elis Regina [acompanhada por César Camargo Mariano (piano), Luisão (baixo elec) e Paulo Braga (bateria)], tocando as músicas que ela escolheu, entre as melhores dos melhores compositores brasileiros, com os arranjos de César Mariano é um privilégio.

2. Porque, não sei se por limitações técnicas da época ou por intencionalidade do realizador, podemos ver a face de Elis quase sempre em grande plano e então, finalmente perceber um pouco o que a torna uma cantora inigualável. As expressões faciais de Elis são de uma riqueza e intensidade tais, que se percebe que não há verso que ela diga sem intencionalidade, sem o estar de facto a sentir ou a invocar o sentimento referido. Elis canta com intencionalidade e intensidade. Gostaria de conseguir explicar-me melhor, mas talvez só vendo.

3. Entre as músicas, Elis fala. Fala de si, do seu trajecto, dos compositores que canta e da relação com eles (Edu Lobo, Gilberto Gil, Chico Buarque, Milton Nascimento, Tom Jobim). E fala da vida. Da sua vida, da sua experiência, do seu sentir, das suas mágoas. Fá-lo com um desassombro, com uma transparência tal que chega a ser doloroso assistir. Porque custa ver fragilidade e a dor ser assim exibida, como uma glória.

Percebemos então que Elis é assim e só sabe ser assim: Verdadeira. Está ali cantando ou falando, disposta a rasgar a sua própria pele, a morder a sua própria carne,. Que coragem é preciso ter.
Como Elis, talvez só Billie Holliday.

Este dvd é daquelas coisas que tem que se ter. Como um tesouro. Mas, assim como Kind of Blue de Miles Davis, ou o Desassossego de Bernardo Soares, não deve ser visitado muitas vezes. São obras demasiado intensas e – arrisco - demasiado honestas, merecem nada menos que a nossa total atenção. Pelo que não devem ser introduzidas nem banalizadas no quotidiano do dia-a-dia.

sempre vai valendo a pena

já que de vez em quando se lêem coisas como esta, no absurdo ponto

26.1.05

Política sem Política

Num programa que funciona como uma espécie de pêlo macio onde Pulgas e Carraças se digladiam por um naco de epiderme bem irrigada e fresquinha; onde um senhor Professor confunde um segundo Professor com um terceiro Professor, um economista ao que parece conceituado, e até ex-ministro, diz qualquer coisa como isto: Os políticos tinham de se preocupar em mudar o que dependia deles ser mudado. O exemplo era - mais uma vez - a administração pública. Tudo o mais estaria fora do alcance dos políticos, pois dependeria inevitavelmente do espaço económico e social em que o país estava inserido. Nada a fazer portanto.


O que o prestigiado economista disse, outros já o disseram de forma ainda mais despudorada. Será que o “senhor” economista não se recorda que tal espaço económico e social onde o país está inserido foi, antes de mais nada, uma decisão política?

Espanta-me esta tendência, cada vez mais sufocante, de entender (ou deixar) a Economia como se fosse não só uma ciência exacta – o que já por si é falacioso – mas, pior ainda, como um substituto (mais) fiável da política. A mensagem é mais ou menos esta «Que bom seria que os políticos deixassem de fazer políticas com base em ideologias e passassem a apenas ouvir os economistas. Eles (nós) são que sabem (sabemos) disto.»

Para os profetas do delírio neoliberal, que falam da “economia” como um dogma, o mundo actual era e é inevitável. E face a esse desígnio “divino”, é preciso que nos adaptemos. Para que tal ocorra, “sem espinhos”, temos que apolitizar a vida pública: fazendo dos políticos meros “instrumentos” desta “ciência divina”. Eis a solução. Mas mesmo esta é temporária. Depois não haverá mais necessidade de políticos. Amanhã o mercado globalista liberal cantará, uma nova hossana, para nós: Tecnocratas de todo o mundo, uni-vos!

Na realidade trata-se de um sujeição dos políticos não à economia como ciência, mas sim a doutrinas económicas ou melhor – a uma doutrina económica que o poder económico aprova.

Os delirantes profetas cedo perceberam que tinham de “vender o seu fedorento peixe” como quem defende uma “pura e virtuosa dama”. Ou seja sublimar, ideologia em ciência e ganhar como aditivo a redução imediata de todas as outras ideologias a isso mesmo: meras ideologias. Mais estranha é a “sensação” de que os políticos que desejem chegar ao poder, pior do que sentirem-se embaraçados, têm medo de ter/defender uma ideologia. Entende-se: querem agradar a deus e ao diabo e as ideologias causam anticorpos. Além do mais, como contrapor com ideologias a uma ciência? (a tal economia dogmática portanto)

Tem razão Vítor Malheiros quando escreve criticando o medo de Sócrates e do PS de defender claramente uma (alguma, ínfima) ideologia:

O que se espera de um partido político é que ele possua de facto uma ideologia – que possua uma visão do mundo e objectivos para a sua mudança, que possua um sistema de ideias racionais e práticas que (entre outras coisas) nos permita ter uma ideia da sua actuação futura, caso ele seja eleito para fazer leis e formar governo
(…)
Um partido com a ideologia na gaveta é um grupo oportunista que não pode oferecer qualquer garantia de coerência (…)

Para eleger um homem ou uma mulher não nos basta saber se é hábil ou inteligente. Queremos saber para onde vai, o que o/a faz mover, qual é o seu sonho. A ideologia é a ambição que os partidos têm para a sociedade, o seu sonho (as vezes o nosso pesadelo).


O pior é que são os próprios políticos que permitem tal coisa. Curvaram-se perante a “tal ciência” que prevê e diz o que é inevitável. Como diz Taguieff:

«Os políticos da direita e da esquerda, convertidos ao para-a-frentismo esgotam-se em vão a correr atrás dos profissionais da velocidade, esquecendo-se que o seu papel não é imitar as atitudes e os comportamentos dos especialistas de finança e de tecnologia»*

E o que fazer?
Penso que é preciso começar a desmistificar este discurso neoliberal, dos mandamentos da pseudo ciência económica. A maneira como falam e citam os economistas que lhes convém tem de ser denunciada. É preciso dizer que a economia não é uma ciência exacta (existem ciências exactas?) nem unânime.

Se a economia fosse uma ciência feita de unanimidade, se este caminho que nos mandam percorrer fosse de forma cientificamente provada inevitável, então não seria um contra-senso haver economistas de esquerda ou até economistas conservadores? É caso para dizer que seria como haver bispos ateus.

Relativamente a Portugal, repare-se como é diferente o eco que os meios de comunicação dão de cada vez que um economista do bloco central (PSD ou do PS) fala sobre economia, finanças, emprego, mercado. É que nessas alturas, quando tal personalidade fala, fá-lo sempre como economista. Já quando é um economista de um partido de esquerda , fá-lo sempre na “mera” qualidade de político.

Na realidade a “coisa” até é pior que isso. Como o senso comum “encaixou” que os economistas são os da ciência e os políticos são os das parangonas, a estratégia é simplesmente fazer crer que não há economistas de esquerda.

Proponho, a título ilustrativo, um teste: Pergunte-se as pessoas na rua se sabem qual é a profissão de em Louçã ou Carvalhas. Aposto que poucos se lembrarão que Carvalhas é economista e que – cúmulo dos cúmulos – Louçã até é professor universitário da mesma “cristalina ciência”.

O que fazer com eles? Propor que a ordem dos economistas os “excomungue”?

Que os políticos tenham ideologias, que as defendam e que falem, sempre como políticos, eis o que se deseja.

Quanto aos supostos economistas, discursistas neoliberais e toda a restante trupe de “gestores” e “empresários” “bem sucedidos”, tão atentamente escutados pelos média, que bom seria se descessem da sua “ magna ciência”. Talvez percebessem finalmente que poucas coisas há mais nobres que a política. E que esta necessariamente tem de ser feita com ideologias.


* in "resistir ao para-a-frentismo"

25.1.05


O grande "Kota"* e os valorosos "Ndéngues"** Posted by Hello


*- mais velho, alguém que merece deferência.
**- mais novos, meninos, crianças

Na senda de Dave Holland

No Jazz e Arredores, fala-se do disco "Peace Pipe" de Ben Allison

Do mesmo Ben Allison, "Riding the nuclear Tiger" (2001) e o "Buzz" (2004) também são excelentes. As composições e arranjos de Allinson são sempre de uma originalidade refrescante. Dá a sensação que foram escritas tendo sempre em função dos instrumentos e instrumentistas de cada projecto. Gosto especialmente de como soam as sua melodias quando tocadas a duas ou três "vozes". Então quando uma dessas "vozes" é o Cello de Tomas Ulrich....

Curiosamente, três dos mais interessantes compositores que tenho ouvido tocam contrabaixo:Ben Allinson, Avishai Cohen e Renaud Garcia-Fons. Todos diferentes, todos na senda do grande mestre do triplo "crime" (contrabaixo, composição, arranjo para grupo): Dave Holland.

23.1.05


Descansando os Olhos: Duke Ellington by henk Mommas.

"For me, he was always in the panthon of great musicians along with Bach and Beethoven and Schoenberg."
...Gunther Schuller, musician

Duke Ellington Home Page

Duke´s Art


"There is no art when one does something without intention." Posted by Hello

Word of the Duke


"I like any and all of my associations with music – writing, playing, and listening. We write and play from our perspective, and the audience listens from its perspective. If and when we agree, I am lucky." Posted by Hello

Duke´s words


"I’m the world’s worst disciplinarian. There’s too much responsibility in being a leader! You have to have the dignity and authority of a leader, and that’s all so heavy!"

Duke Ellington Home page

Duke says:


"My biggest kick in music – playing or writing – is when I have a problem. Without a problem to solve, how much interest do you take in anything."

"A problem is a chance for you to do your best."

Duke Ellington

Louçã Vs Portas: hipocrisias e direitos (4)

[...] a tirada de Francisco Louçã nem sequer pecou por excesso. Pelo contrário, foi um ferro curto no lombo de quem imagina deter uma condição moral superior a não sei o quê e estar imune ao escrutínio da coerência e do juízo cidadão. A provocação inicial foi lançada por Paulo Portas, de um modo manifestamente insolente e descabido. Louçã limitou-se a mostrar que não era feito de pau e contra-atacou com razão e nervo. Fez bem.

LN no "Causa Nossa"

Louçã Vs Portas; hipocrisias e direitos (3)

"Há uma vida que tem o direito a nascer, ou não. De acordo com o BE, não tem; de acordo connosco, tem", disse Paulo Portas. Se lá estivesse (Nossa Senhora de Fátima me livre) diria assim: nem mais uma vez lhe tolero, não lhe dou esse direito, como pessoa e como pai, que diga que eu não respeito a vida ou que a respeito menos que você. Só é possível que o diga se não souber do que está a falar. Foi assim mesmo que interpretei a resposta de Francisco Louçã.
Como pai, sinto-me indignado quando, em debates e discussões, insinuam que eu não respeito a vida. Ou seja, quando me dizem que sou um monstro insensível que não respeita a vida de crianças. Irrito-me, sinto-me insultado e compreendo quem sinta o mesmo e quem, o sentindo, descarregue. Se isto não é pessoal, o que é então pessoal?


D.O Barnabé

Louçã Vs Portas: hipocrisias e direitos (2)

Não vi o debate entre Portas e Louçã na SIC-Notícias, mas confesso que fiquei surpreendido com o teor serôdio, hipócrita e moralista de algumas reacções -- nomeadamente no «Público» -- , assentando baterias contra Louçã e absolvendo Portas na questão do aborto.

Não concordo que o facto de se ser ou não casado ou ter ou não filhos deva legitimar ou diminuir o direito de opinião de quem quer que seja. Mas se alguém, como Portas, se arvora em paladino do direito à vida e pretende condenar em bloco, e em nome de um dogma fundamentalista, as posições favoráveis à interrupção da gravidez, então o mínimo que se lhe deve exigir é que seja coerente e consequente entre as suas opções privadas e as suas posições públicas.

Portas não é um qualquer cidadão anónimo, é uma figura pública e um líder político. Não tenho nada a ver com o seu comportamento na esfera privada e íntima e considero intolerável que as suas opções nesse campo possam constituir um factor de diminuição dos seus direitos políticos e civis. Mas a partir do momento em que Portas (ou outro cidadão com responsabilidades na esfera pública) invoca critérios de superioridade moral para condenar sumariamente comportamentos alheios e ele próprio não é consequente com eles na sua vida privada, entramos já noutro campo.

Admitir que Portas possa dizer tudo o que lhe vem à cabeça (incluindo comparar a interrupção da gravidez com o assassinato), ou que tem todo o direito de o fazer mas não pode ser confrontado com as suas contradições, eis o que também me parece intolerável. É hipocrisia pura e simples.

Insisto: tenho todo o direito de contrapor a quem condena as minhas opções no plano moral as suas contradições e inconsequência, sobretudo se se trata de alguém que pretende armar-se em campeão de uma moralidade absoluta.


VJS, no "Causa Nossa"

Louçã Vs Portas : hipocrisias e direitos

Mas os comentários oriundos do espaço dito de direita parecem-me repugnantes na sua hipocrisia. Não sei se é apenas por causa da iminência das eleições que se dá esta febre de aggiornamento clubístico, mas vejo os resultados e não gosto nada desta mascarada.

Porque o que está em causa é uma impostura política.
Não se pode encher a boca com a "família tradicional e normal" e ser-se precisamente o contrário.
Não é leal apregoar os valores da tradição católica mais ortodoxa e viver a vida numa mentira.
Não é lícito ter um discurso público moralista que acusa e julga impiedosamente os outros, não seguir privadamente a sua própria doutrina e presumir-se acima de qualquer veredicto.

Este tipo de fingimento é cobarde e repulsivo. Seria como apanhar um ministro das finanças que brada contra a evasão fiscal a fugir aos impostos; ou descobrir que uma líder de um movimento dito pró-vida se deslocou a Badajoz para interromper a sua gravidez.

Cada vez mais é relevante a consonância entre o que um político diz e aquilo que é.


CAA, no "Blasfémias"

Ainda o debate entre Louçã e Portas (2)

[...] o chamado debate entre os dois não passou de um monólogo a dois, onde, desta, Portas não chamou Celeste Cardona a Louçã, bastando-lhe um carinhoso "vá lá, Francisco". O mais atacado pelo líder do PP acabou por ser Sócrates, porque não convinha pisar o terreno armadilhado pela competência de um brilhante doutor em economia

[...]

Louçã foi sóbrio, tecnocrático, anti-guerra, com muitos números, sentado na sua autoridade de professor da pretensa rainha das ciências sociais, apenas obrigando Portas a perder tempo com a defesa de Bagão e da tal banca que "nunca foge", mas atrapalhando o líder do PP quando não lhe admitiu que fizesse doutrina sobre o direito à vida: "o senhor não sabe o que é gerar uma vida"

[...]

eles, porque estavam em "pólos opostos", vivem naturalmente em polarização, mais irmãos do que inimigos, muito diferentes, mas todos iguais, sobretudo na abstracção de palavras como "verdade" e "mentira", ou em declarações como "a economia serve para criar qualificações", com muitos "postos de trabalho" feitos números e algumas "contas", mas com muita falta de pessoas vivas, aldeias, agricultura, mar e terra, onde nunca foram proferidas as sagradas palavras de "povo" ou de "nação", porque ambos nos falaram "do alto da burra", com delicadezas de colégio fino.


JAM, no "Sobre o tempo que passa"

21.1.05

Ainda o debate entre Louçã e Portas

Para evitar responder a uma acusação, Paulo Portas fez um longo intróito sobre a arrogância da esquerda. Instado a responder mais directamente pelos jornalistas, perdeu o fio da palavra enquanto dizia "depois desta... depois desta..." – "fuga", completou Louçã. Portas ficou calado uma eternidade televisiva, desbaratado como nunca o vi. Depois pôs o dedo em riste e disse, extraordinariamente, "não precisa de me esticar o dedo", ou algo assim. A incongruência daquela combinação simultânea do célebre dedo hirto de Paulo Portas enquanto acusava o seu adversário de lhe fazer exactamente isso, mas brilhantemente desmentido pela realização num écran dividido ao meio, foi de um efeito tremendo. Desopilante, sucinto, inesperado. Não me admira nada que seja esta a imagem escolhida pelos resumos televisivos para ilustrarem o debate. Na imprensa, o ataque de Louçã a propósito da "vida" terá mais destaque. Nesse as palavras foram cruciais, naquele as imagens foram cruéis.

RT, no"barnabé"

Just like a "trane"


Descansando os Olhos: John Coltrane (autor desconhecido)
"Can´t catch the trane"

He moved just like a trane

Except the wheels were gold
The tales he told
Could help you to be again

And cool like dawn marine
And the wings of gold
like down unfold
to help you to see again

Callin´ all the stray in
When he started playin´
Pick up on what he´s sayin´
It sounds just like he´s prayin´

Well he moved just like a trane
But the wheels were gold
The tales he Blowed
Could make you free again

Terry Callier

Comentários para que (3) ?

«Santana Lopes cedeu aos interesses da Banca»

«Não estou convencido que a banca fosse pagar mais impostos»

«É uma manobra de diversão que não tem fundamento»

Silva Lopes na sic notícias
sobre estas declarações de Santana

«É um discurso de campanha eleitoral cuja importância efectiva é limitada»
«Admito que possa render votos, mas não tem qualquer fundamento»

Miguel Beleza,
no mesmo programa,
sobre a mesma questão


A ler

Voto Fútil, por Jacinto Lucas Pires

Comentários para quê (2) ?

Pedro Santana Lopes considerou ainda que, por detrás da convocação de eleições instaladas, esteve o «desafiar de interesses instalados», nomeadamente da banca. «Quem foi o primeiro primeiro-ministro que disse que a banca iria pagar mais impostos?»

Comentários para quê?

«Neste momento começa a ser nítido o golpe político que alguns prepararam para fazer regressar o PS ao poder»

«Vou pedir um verdadeiro levantamento nacional contra este embuste»

Louçã, os debates e o discurso

sobre o primeiro dos debates da sic notícias, José Mario Silva no Blogue de Esquerda, num post entitulado "Louça vs Jerónimo" escreveu:

«Ontem à noite, na SIC Notícias, o primeiro debate frente-a-frente da pré-campanha, entre Francisco Louçã e Jerónimo de Sousa, terminou com uma vitória clara do dirigente do Bloco de Esquerda. Nada de surpreendente. Apesar de um quase consenso na análise crítica dos principais problemas económicos e sociais do país, há um abismo a separar os dois homens no modo como falam e nos destinatários escolhidos para a sua mensagem. Louçã tem um discurso articuladíssimo, moderno, apelativo, mediático (adaptado à lei dos «soundbytes»), virado para o futuro e para o eleitorado que pretende ganhar. Jerónimo joga à defesa, recorre aos chavões, ao vocabulário vetusto, à retórica bem oleada (mas previsível) da CDU e parece preocupado apenas em suster o antigo eleitorado, em permanente erosão.
Num debate sem acrimónia e pouco agressivo, onde os dois líderes estiveram mais vezes de acordo do que seria de esperar, Louçã venceu sobretudo no campo da economia da linguagem (coincidente, neste caso, com a «linguagem da economia»). E todos sabemos que é no campo da linguagem que se ganham hoje, para o mal e para o bem, os votos decisivos


É exactamente deste "vencer na economia da linguagem" que eu desconfio.

Porque gosto muito mais de ouvir Louçã falar de Economia (finanças, contas publicas, fiscalidade) do que quando escolhe a tal linguagem economizada ( o soundbyte radical).


É que, se calhar entusiasmado por estes louvores, Louçã apostou nesse tal estilo de "economia da linguagem", mediático e "soundbytizado"e o resultado, temos de admitir, foi infeliz: Portas hoje, no segundo debate da sic notícias, esteve melhor que Louçã. Já é sabido que que Portas é imbativel na tal linguagem do "Soundbyte". Ele, ao contrário de Santana, consegue fazer o "Soundbyte" parecer "coisa séria", por isso a estratégia deveria ser justamente desmontar o seu discurso e não competir com ele.

Porque Louçã ao invés de forçar o debate no campo em que foi nítido que Portas estava manifestamente mal preparado, insistiu numa linguagem radical, que forçosamente diminui a sua capacidade de comunicar as suas ideias a não esquerda.

Só no dominio da económia e finanças Louçã conseguiu enervar Portas.Devia ter percebido isso. Até porque é urgente que se perceba que existem alternativas economicas credíveis à "lei económica" que o discurso neoliberal nos quer impor como inevitável. Alternativas propostas por gente credível- economistas e professores de ciência economica- de várias partes do mundo.

Louçã devia apostar mais no seu estilo mais agradável que é o pedagógico e tolerante (o bom professor- que, segundo me dizem Louçã, é- tem uma boa dose de tolerância) e menos no discurso radical, que é bom para captar a atenção de adolescentes ( na idade e/ou na mente) mas que infelizmente faz com que muita gente o confunda coom um extremista demagógico (coisa que na realidade não é).

Quanto mais o Bloco de Esquerda radicalizar o discurso, menos o PS se sentirá obrigado a ouvi-lo futuramente. Até porque menos nítidas serão as pontes que existem entre o Bloco e a ala esquerda do PS.

Espero que Louçã consiga estar melhor no próximo debate (segunda- feira, contra Santana).

19.1.05

Shhh, In a Silent Way


Descansando os Olhos: Miles Davis por Jeff Sedlik

"Assim como do fundo da música
brota uma nota
que enquanto vibra cresce e se adelgaça
Até que noutra emudece,
brota do fundo do silêncio, aguda torre, espada,
e sobe e crece e nos suspende"
trecho de "silêncio" de Octavio Paz.

18.1.05


Mineiro,(autor desconhecido) Posted by Hello

Coisas Lidas: Ideologia, por Vitor Malheiros

Eis o comentário de Vitor Malheiros no publico de hoje, que eu subescrevo inteiramente:

Há uns dias, numa reunião no Centro Cultural de Belém, José Sócrates afirmava que, caso o PS ganhasse as eleições legislativas, iria introduzir alterações ao Código do Trabalho aprovado pela actual maioria, mas que mas não iria revogá-lo "apenas por objecções ideológicas".

As razões ideológicas têm, é evidente, má imagem e, desse ponto de vista Sócrates pode ter marcado um ponto. As pessoas estão habituadas a ouvir falar de erros (quando não de massacres) cometidos em nome da ideologia e alguém que apresente "razões ideológicas" para os seus actos parece na melhor das hipóteses um velho casmurro caminhando para o abismo.

"Razões ideológicas" soam a sectarismo partidário, a irracionalidade, a fanatismo, enquanto a sua recusa tem a imagem do pragmatismo, da flexibilidade e da razoabilidade.

Acontece porém que o que se espera de um partido político é que ele possua de facto uma ideologia - que possua uma visão do mundo e objectivos para a sua mudança, que possua um sistema de ideias racionais e práticas que (entre outras coisas) nos permita ter uma ideia da sua actuação futura, caso ele seja eleito para fazer leis e formar governo.(...)


(...) Um partido com a ideologia na gaveta é um grupo oportunista que não pode oferecer qualquer garantia de coerência - não é por acaso que o Bloco de Esquerda escolheu como "slogan" da sua campanha "Esquerda de confiança". Uma "objecção ideológica" não é uma birra sem sentido.

É evidente que o PS possui uma ideologia, mas seria útil e pedagógico que não o esquecesse e que não fingisse não a ter. A escolha de um governo numa democracia tem de ter como base uma visão do mundo que é sancionada pelos eleitores. Não o guarda-roupa do líder, nem as "boutades" de campanha. A fuga da ideologia está no ar do tempo e é um luxo a que a direita (economicamente) liberal se pode dar, entregando como entrega tanto da política às mãos invisíveis do mercado e de Deus (o que é ideológico, mas pode dar-se ao luxo de ser menos voluntarista). Mas a esquerda, se não viver da sua ideologia e do sonho de querer mudar o mundo, não viverá de todo. Será indistinguível da direita tecnocrática da boa gestão, para quem os objectivos da política se resumem a encontrar as melhores medidas do ponto de vista técnico, ideologicamente neutras, com que acreditam que o mundo gerará mais riqueza - o que permitirá resolver todos os problemas. (....)

Para eleger um homem ou uma mulher não nos basta saber se é hábil ou inteligente. Queremos saber para onde vai, o que o/a faz mover, qual é o seu sonho. A ideologia é a ambição que os partidos têm para a sociedade, o seu sonho (as vezes o nosso pesadelo). Se um partido não tem grandes ambições, tem apenas para nos oferecer a pequenez das suas invejas.

Cristovam Buarque - A Internacionalização do Mundo

Recebi este texto por E-mail. Parece que tem circulado por aí. Antes de publica-lo confirmei que era do autor mencionado. Ainda assim, mesmo que não fosse, publica-lo-ia porque o considero inteligente.

Em Setembro de 2000 em Nova York, durante um debate no State of The World Forum, o então Ministro da Educação brasileiro, CRISTOVAM BUARQUE, foi questionado sobre o que pensava da internacionalização da Amazónia (ideia que surge com alguma insistência nalguns sectores da sociedade americana e que muito incomoda os brasileiros). Um jovem americano fez a pergunta dizendo que esperava a resposta de um Humanista e não de um Brasileiro. Esta foi a resposta do Sr.Cristovam Buarque:

"De fato, como brasileiro eu simplesmente falaria contra a internacionalização da Amazónia. Por mais que nossos governos não tenham o devido cuidado com esse património, ele é nosso.

Como humanista, sentindo o risco da degradação ambiental que sofre a Amazónia, posso imaginar a sua internacionalização, como também de tudo o mais que tem importância para a humanidade.

Se a Amazónia, sob uma ética humanista, deve ser internacionalizada, internacionalizemos também as reservas de petróleo do mundo inteiro... O petróleo é tão importante para o bem-estar da humanidade quanto a Amazónia para o nosso futuro. Apesar disso, os donos das reservas sentem-se no direito de aumentar ou diminuir a extracção de petróleo e subir ou não o seu preço.

Da mesma forma, o capital financeiro dos países ricos deveria ser internacionalizado. Se a Amazónia é uma reserva para todos os seres humanos, ela não pode ser queimada pela vontade de um dono, ou de um país. Queimar a Amazónia é tão grave quanto o desemprego provocado pelas decisões arbitrárias dos especuladores globais. Não podemos deixar que as reservas financeiras sirvam para queimar países inteiros na volúpia da especulação.

Antes mesmo da Amazónia, eu gostaria de ver a internacionalização de todos os grandes museus do mundo. O Louvre não deve pertencer apenas à França. Cada museu do mundo é guardião das mais belas peças produzidas pelo génio humano. Não se pode deixar esse património cultural, como o património natural Amazónico, seja manipulado e destruído pelo gosto de um proprietário ou de um país.

Não faz muito tempo, um milionário japonês, decidiu enterrar com ele, um quadro de um grande mestre. Antes disso, aquele quadro deveria ter sido internacionalizado.

Durante este encontro, as Nações Unidas estão realizando o Fórum do Milénio, mas alguns presidentes de países tiveram dificuldades em comparecer por constrangimentos na fronteira dos EUA. Por isso, eu acho que Nova York, como sede das Nações Unidas, deve ser internacionalizada. Pelo menos Manhatan deveria pertencer a toda a humanidade. Assim como Paris, Veneza, Roma, Londres, Rio de Janeiro, Brasília, Recife, cada cidade, com sua beleza específica, sua história do mundo, deveria pertencer ao mundo inteiro.

Se os EUA querem internacionalizar a Amazónia, pelo risco de deixá-la nas mãos de brasileiros, internacionalizemos também todos os arsenais nucleares dos EUA. Até porque eles já demonstraram que são capazes de usar essas armas, provocando uma destruição milhares de vezes maior do que as lamentáveis queimadas feitas nas florestas do Brasil.

Nos seus debates, os actuais candidatos à presidência dos EUA têm defendido a ideia de internacionalizar as reservas florestais do mundo em troca da dívida. Comecemos usando essa dívida para garantir que cada criança do Mundo tenha possibilidade de COMER e de ir à escola. Internacionalizemos as crianças tratando-as, todas elas, não importando o país onde nasceram, como património que merece cuidados do mundo inteiro. Ainda mais do que merece a Amazónia. Quando os dirigentes tratarem as crianças pobres do mundo como um património da Humanidade, eles não deixarão que elas trabalhem quando deveriam estudar, que morram quando deveriam viver.

Como humanista, aceito defender a internacionalização do mundo. Mas, enquanto o mundo me tratar como brasileiro, lutarei para que a Amazónia seja nossa. Só nossa! "



Blog de Cristovam Buarque
Site de Cristovam Buarque


Des-casando os olhos. Out of the pit, Riva helfond Posted by Hello

Lendo Taguieff III

Sejamos claros: o multiculturalismo, feito política, consiste essencialmente em reetnizar o espaço social, em legalizar a sua fragmentação, em abandonar a sua gestão aos dirigentes comunitários ou identitários. (…)

O multiculturalismo normativo não pode senão acentuar e endurecer as identidades de grupos, bem como legitimar o fechamento de cada «comunidade» sobre si própria, ao passo que a integração republicana visa, por intermédio de diversos modos de acção favorecer a proximidade de atitudes e comportamentos, com base numa comunidade de direitos, de deveres e obrigações recíprocos. O multiculturalismo consiste na imposição a todos os indivíduos de uma identidade de grupo determinada pela sua nascença, definida pelas suas origens. Realiza-se sob a forma de sociedade multicomunitarista, exercendo cada «comunidade» uma forte influência sobre os seus «membros». Aquilo de que se acusa, com razão, o nacionalismo étnico encontra-se aí também: a opressão causada pela busca de uma impossível homogeneidade em nome da ideia-força de uma identidade comum

(…)
O relativismo cultural radical ,…, vem legitimar qualquer empreendimento identitário, visto que é atribuído a uma minoria supostamente vitimizada, movida por uma vontade independentista e que sabe apresentar-se como combatente anticolonialista. Alimenta assim as reivindicações insaciáveis e as tendências exclusivistas dessa minoria. Os empresários etnonacionalistas sabem isso, tanto mais que são muitas vezes «intelectuais» que entraram na política a partir da invenção ou da reinvenção de uma identidade colectiva dita cultural ou étnica. Aos vendedores e regateiros juntam-se os profissionais da etnicidade traficada, manipulada .

(…)

A aparição de um novo tipo de conflitos ,…, proporcionados pelo enfraquecimento dos Estados-nações, pelo duplo efeito da uma fragmentação interna crescente e dos sistemas de obstáculos criados na órbita da globalização das trocas comerciais: o seu tipo puro pode ser ilustrado pelo antagonismo entre um Estado existente, de legitimidade enfraquecida (seja ou não um Estado de direito) e um movimento separatista, as vezes até dito de libertação, dotado de uma legitimidade máxima.

(…)

O ideal de independência continua a ser um dos ideais mais fortemente mobilizadores para todos os povos, o que equivale a reconhecer que os principais conflitos actuais derivam de conflitos de soberania, Mas também é preciso reconhecer que, na falta de um modelo republicano e do ideal de nação cívica, a exigência de soberania se mistura o mais das vezes com um mito étnico e uma vassalagem religiosa, que lhe conferem uma base imaginária e recursos simbólicos. As tiranias da etnicidade multiplicam-se nas «zonas cinzentas» que constituem o «mundo inútil», aquele que não interessa ao mondo das potências globalizantes.

(…) para sair do túnel em chamas, seria preciso começar por dessacralizar os conflitos, por desmistificar as suas razões profundas e o que está neles em jogo, por desetnicizar os espíritos, por reinscrever os antagonismos no campo prosaico dos interesses e das ambições de poder. Numa palavra: repolitizá-los


in resistir ao Para-a-frentismo, Pierre-Andre Taguieff

Lendo Taguieff II

Quanto a humanitarismo, como política da piedade baseada nos direitos humanos e com forma de uma acção de emergência de ajuda as vítimas, tende a impor a noção de uma universalidade pobre, reduzindo o humano ao «ser vivo que sofre». Este humanitarismo minimalista só pode universalizar, no que diz respeito ao humano o imperativo de sobrevivência de indivíduos reduzidos ao seu estatuto de vítimas, como se a essência do humano dependesse da conservação da individualidade biológica, objecto de preocupação ética fundamental. Há aqui uma desumanização sub-reptícia, comparável a que realiza o reducionismo genético vulgarizado pela sociobiologia que não vê no homem senão os seus genes. As democracias comerciais sem inimigos, ao realizarem-se nesses singulares regimes políticos que sonham com um mundo pós-político, não têm nelas e frente a elas a não ser excluídos que não pertencem a lado nenhum e delinquentes que pertencem a maus lugares: para os primeiros as operações de ajuda caritativa, para os segundos as operações policiais «internacionais», a versão prática mais recente, sob uma camuflagem humanitárias de «guerra justa», cujo espectáculo tanto alegra ao espectador ocidental

in "resistir ao para-a-frentismo" ,Pierre-André Taguieff

Lendo Pierre-André Taguieff

O termo «democracia» só faz sentido no plural: há democracias porque há povos, nações, comunidades políticas. (….) A ideia de uma democracia única é uma abstracção vazia ou então a expressão de uma perigosa utopia imperial, baseada no sonho de um império planetário governado por superoligarcas, casta de impostores supremos que celebram o culto da Democracia, depois de se lhe terem apropriado do nome e de terem proibido a sua prática real.

(…)

A pretensa «democracia» sem fronteiras dos indivíduos já nada tem em comum, a não ser o nome, com a democracia no sentido forte e preciso do termo, com uma democracia forte consubstanciada numa comunidade (sempre específica) de cidadãos activos, uma democracia de participação em que a identidade cívica prima ao mesmo tempo sobre a identidade étnica e sobre a identidade consumista.

(…)

O termo democracia está dessemantizado: tendo-se tornado uma palavra conceptualmente vazia, as que continua a soar bem, completamente a disposição de cada indivíduo insularizado que pode projectar nela os seus sonhos, adquire assim uma temível força simbólica. A estranha neodemocracia que se nos apresenta está despojada de povo soberano, imagina-se a si própria sem princípio de autoridade nem instância de poder, pretende-se sem história nem memória, toma a forma de pseudodemocracia de consumidores e de accionista frenéticos, de étnicos fanáticos, de administrados e de eleitores apáticos.

in resistir ao para-a-frentismo


Descansando os Olhos: Pierre Verger Tahoua, Niger 1936 Posted by Hello

Oscar Ribas

Pelo Pululu soube que no dia 14 o Mestre Oscar Ribas foi homenageado na Casa de Angola em Lisboa. Ainda bem. Pena que não tenha sido suficientemente divulgado.

Ver pagina de Luis Kandjimbo sobre Oscar Ribas
Ver pagina da Casa de Angola sobre Oscar Ribas

Mati Klarwein ainda

Mati Klarwein was born in Hamburg, Germany, in 1932. Two years later, following Hitler's coming into power, he fled with his parents to Palestine, now Israel.

- I grew up in three different cultures, the Jewish, Islamic and the Christian. These circumstances and my family's stern resistance against being part of any kind of orthodoxy has made me the outsider I am today and always has been, Mati says and pours himself another cup of tea.
- That is also why I took the name Abdul. If everybody in the Middle-East would call themselves Abdul, it would ensure a reconciliation that would end the antagonism and the wars in that part of the world. At least that's what I thought at the time.
Anyone who spends a few days with Mati will soon discover that this is a typical statement. His gentle ways and general open-mindedness stems from his multi-cultural background and his experiences during the psychedelic era. (...)

In the fifties Mati Klarwein moved to Paris, a city then seething with existentialist ideas and jazz music.
- My ambition was to go to Hollywood and become a movie director, but instead I went to Paris and studied painting for Fernand Léger. I realise Fernand's greatness, but he was never any direct source of inspiration to me. His main contribution to my artistic development was introducing me to the art of Salvador Dalí. The movie Un Chien Andalou virtually took my breath away.
- I was also profoundly influenced by both the Italian renaissance painters and the Flemish masters

(...)

In New York in 1964 Mati - by then Abdul Mati - caused a commotion after having exhibited his blasphemic painting Crucifixion. The motif of the painting being a myriad of people caught in a garden of earthly delights, where no sexual, racial or gender barriers are bearing any significance. Something that threw parts of the society in such a rage that Mati at one point even was attacked by a man violently chopping away with a huge axe.

fonte

Mati Klarwein sobre Yousef Lateef

In the late fifties the great jazz musician Yusef Lateef received a portrait of himself from a painter named Abdul Mati. Lateef was portrayed as almost buried in a pile of exotic flowers, apparently enjoying himself with whatever he was doing. The artist waited for some time for any kind of response - but none came.

Finally he decided to call the big man himself and as it turned out Mr. Lateef had liked the painting very much and asked Abdul Mati to come down to the Village Vanguard, where he was performing at the time. And so Mati did.

- Across the top of the painting I'd written Original Portrait of the Great Yusef Lateef Hand Painted by Abdul Mati. After the gig we were supposed to discuss the future use of the painting as a record cover. So when the concert was over I went over to his table. I addressed him, he looked at me, but continued his discussion with the others at the table. So I addressed him again and introduced myself as the artist who'd sent him the portrait. Once again I was ignored and this time he didn't even bother to look up...

- Yusef Lateef doesn't like white people and obviously he thought that a man called Abdul would be anything but white, Mati says and shrugs his shoulders a little dejectedly.


Ler este relato deixou-me um pouco triste, a música de Lateef acabou de perder para mim quase toda a sua magia.

fonte

ver outras pinturas de Mati Klarwein

17.1.05


Descansando os Olhos: La nuit Tunisienne, Abdul Mati Klarwein

Mati Klarwein é um pintor surrealista, alguns dos seus trabalhos tornaram-se mais conhecidos por terem sido usados como capas dos álbuns de Miles Davis "Bitches Brew" e "Live- Evil" e do album "Abraxas" de Carlos Santana.

Openness II


Looking back to himself in 1967, Herbie Hancock said he was a "jazz snob" who frowned on rock and electric instruments.

« One day I came into the studio and there was no acoustic piano to be seen» herbie recalled « but in the corner thera was a Fender Rhodes, an instrument i´d never played before. So I asked Miles what he wanted me to play, and he said: "play that!" I was thinking " that toy?... oh, ok then...". I turned it on an played a chord, and it sounded beautiful, with a really warm , bell-like sound. I learned that night not to form an opinion about things you have no experience of»

« I also found out that Miles was already listening to Jimmi Hendrix and other Rock artists, as well as flamenco and classical music, and when I saw that my hero, my musical mentor, was open to these things, I changed my whole attitude»

Miles Beyond, Paul Tingen


What this decade will be

known for

There is no doubt . . . it is

loneliness (Nikki Giovanni, trecho de "cotton candy on a rainy day" )

site de Nikki Giovanni
Posted by Hello

Choices, Nikki Giovanni

if i can't do
what i want to do
then my job is to not
do what i don't want
to do

it's not the same thing
but it's the best i can
do

if i can't have
what i want . . . then
my job is to want
what i've got
and be satisfied
that at least there
is something more to want

since i can't go
where i need
to go . . . then i must . . . go
where the signs point
through always understanding
parallel movement
isn't lateral

when i can't express
what i really feel
i practice feeling
what i can express
and none of it is equal
i know
but that's why mankind
alone among the animals
learns to cry


Nikki Giovanni, 1973 Posted by Hello

16.1.05

Coisas Lidas II: Ana Sá Lopes

(…)A pré-campanha para as legislativas nacionais, transformada em tragicomédia, provoca um ruído no vácuo que nos consome as forças enquanto espectadores "do que se passa". O fenómeno de habituação à tragédia faz o resto: o Iraque fica longe, já dura há demasiado tempo e o Iraque não é a nossa vizinha que acabou de partir a perna.
(…)

"É o que julgo saber", comentou o porta-voz da Casa Branca quando interrogado sobre a notícia do Washington Post que divulgava o fim das buscas. Pronto, acabaram. Já não há mais nada por onde remexer no Iraque a ferro e fogo. A razão da guerra esfumou-se (isso já se sabia há muito tempo), a potência que a declarou concluiu pela sua inexistência e ficou a guerra, o desfilar quotidiano de mortos, a institucionalização de limbos fora-da-lei sob a tutela dos Estados Unidos, como Guantánamo. E Abu Grahib, com os carrascos que "obedeciam a ordens". Por cá, podemos lembrar-nos da candura - o mínimo, o mínimo - com que o actual presidente da Comissão Europeia, José Manuel Barroso, à época Durão Barroso, primeiro-ministro de Portugal, afirmou peremptoriamente que as armas de destruição maciça existiam porque ele tinha visto "as provas" em Londres, num chá das cinco com Tony Blair

A Casa Branca não gostou do relatório que o National Intelligence Council entregou à CIA esta semana, mas o National Intelligence Council não pode ser atingido pelo epíteto maldito de "anti-americano primário" distribuído na altura a eito por todos os opositores à invasão do Iraque. O National Intelligence Council é um organismo que assessora a CIA e esteve a favor da invasão como lhe competia. Mas num relatório entregue esta semana a instituição conclui que a guerra está a tornar o Iraque "um campo de treino para terroristas" e que o país que foi invadido para fazer diminuir a ameaça terrorista acabou por substituir o Afeganistão como central de treino dos terroristas.
O documento conclui que há cada vez mais indivíduos disponíveis para combater "aonde acreditam que os territórios islâmicos estão a ser atacados por aqueles que designam como 'invasores infiéis'" e que estes "desfrutam de um crescente sentimento de apoio entre os muçulmanos que não apoiam necessariamente o terrorismo". A Casa Branca acha os assessores da CIA "especulativos


Ana Sá Lopes, no Publico

Coisa Lidas: O render das armas por Nuno Pacheco

Quase dois anos depois de Colin Powell ter assegurado, perante a assembleia da ONU, que o Iraque possuía armas de destruição maciça (exibindo a tal minúscula cápsula que se tornou famosa) os Estados Unidos desistiram, oficialmente, de procurar tais armas no Iraque. Não o fizeram por cansaço ou fraqueza, mas certamente por estarem convencidos de que o Iraque não possui, de facto, tão temíveis armas.

(…)

Houve também uma guerra, muitos mortos, um país ainda a esbracejar no meio do caos, a experimentar umas eleições tumultuosas por onde a morte espreita, e, sobretudo, a sensação de que a insegurança é agora ainda mais planetária do que antes de as tropas marcharem, gongóricas, rumo ao Iraque.

(…)

agora, com o passar dos meses, com a banalização da violência em território iraquiano (as mortes diárias quase já nem são notícia), é apenas mais um episódio nos caminhos ínvios da política internacional, onde as cinzas das vítimas já começam a ser passado e onde continua a ser difícil vislumbrar heróis. Mesmo assim, o porta-voz da Casa Branca Scott McClellan, admitindo que ao longo de 12 anos foram recolhidos elementos "que se revelaram falsos", reafirma que "o regime [de Saddam] tinha a intenção e as capacidades necessárias no que respeita a armas de destruição maciça". O facto de não as ter construído será, pois irrelevante. Quantos países poderiam, ainda, ser invadidos ou bombardeados com base neste raciocínio? Não seria hora de os Estados Unidos admitirem, sem falsas desculpas, as suas responsabilidades neste caso?

Nuno Pacheco, no Publico


Don Quixote, por Miles Davis Posted by Hello

Quixote

Espanha quer comemorar os 400 anos de Don Quixote sem lugares comuns.

Círculos Uninominais

Antonio Barreto prossegue com a sua "pintura em tons rosa" dos círculos uninominais. O que ele diz esperar da adopção deste sistema- maior responsabilização dos deputados, maior participação politica dos eleitores, surgimento de candidatos de partidos locais e até independentes defendendo causas específicas - é muito bonito, lindíssimo. Só que não parece ser isso que acontece nos países onde este sistema foi adoptado. Como diz Vital Moreira (ver a mitologia dos circulos uninominais I, II)

Openness


[Herbie] Hancock has described in many interviews how he once played a completely «wrong» chord in the middle of one of Mile’s solos. Cringing with embarrassment, Hancock heard Miles instantly change his notes, to make Hancock’s chord sound «right».

My mouth dropped” Hancock commented “I was so stunned; I couldn’t play for a few minutes. I just let the music go by. But Miles didn’t even look at me. He just carried on. He didn’t hear what I’d done as «wrong». He just heard as part of the reality of the present moment, a reality he could shape any way he wanted to. It illustrated the kind of openness that he had towards anything that happened


Miles Beyond, Paul Tingen
Posted by Hello

15.1.05


Descansando os Olhos: Jeune Fille, Françoise Huguier, Pays Lobi, Mali 1996 Posted by Hello

14.1.05

2004 em 12 álbuns de Jazz


Alice Coltrane - Translinear Light
Dave Douglas - Strange Liberation
Ben Allison & Medicine Wheel - Buzz
Tomasz Stanko - Suspended Night
Enrico Rava - Easy Living
Michel Portal & Richard Galliano - Concerts
David S. Ware String Ensemble - Threads
Ben Allison & Medicine Wheel - Third eye
Craig Taborn - Junk Magic
Don Byron - Ivey-Divey
Charlie Hunter & Bobby Previte - come in red dog, this is tango leader
David Murray & the Gwo-Ka Masters featuring Pharoah Sanders - Gwotet Posted by Hello

13.1.05


Descansando os Olhos: Jean Michel Basquiat ( um abraço ao Willie) Posted by Hello

12.1.05


Descansando (?) os Olhos: Gold in the Morning, Alfredo Jaar, 1985  Posted by Hello

11.1.05

Revendo "As Segundas ao Sol" de Fernando León de Aranoa

"A questão não está se nós acreditamos em Deus.
A questão é se Deus acredita em Nós.
Em mim, estou certo que Ele não acredita.
Em ti tão pouco, Santa."

Amador, falando para Santa. Dois personagens do Filme “As segundas ao Sol”

Recentemente o videoclube, milagrosamente, disponibilizou o filme “As segundas ao Sol”. Já o tinha visto, penso que há cerca de um par de anos. Lembro-me de ter ido vê-lo sem grandes expectativas e de ter saído da sala encantado. Com aquela sensação de que tinha descoberto um pequeno tesouro, sentindo vontade de ligar para todos os amigos e usar os argumentos mais persuasivos para convencê-los a irem ver o filme. Ao revê-lo não tinha a certeza que a memória dourada não se fosse esfarrapar, mas bastaram os primeiros dez minutos para compreender que o filme ainda era melhor visto pela segunda vez.


Profundamente humano, mais do que convidar, obriga à experiência de várias sensações ao longo da película: Rimos perante o cómico (que neste filme é sempre trágico); Rimos também perante o absurdo de alguma saudável, mas imprevista, loucura; Sentimos no mínimo vontade de ter coragem para chorar perante a pungente ilustração da vida daquelas pessoas (no que ao choro diz respeito, as mulheres, se calhar são mais corajosas que os homens)


Intensamente realista, o que só é possível porque os actores são tremendos. Todos: os que interpretam os quatro personagens principais: Santa, Amador, Lino e José e os que interpretam os personagens secundários: Rico – o dono do bar, Nata – filha de rico, Serguei – o emigrante russo, Ana, a mulher de José e Reina – o amigo que trabalha e que se afastou.

É pois um filme em que a arte imita a vida vulgar, encontrando nela a poesia superior que a vida que imita a arte desespera por encontrar. Mais correcto seria dizer que neste filme a arte não imita, antes interpreta a vida.·

É um filme sobre personagens e é ao mesmo tempo um filme severamente político. Há uma crítica, quase exclusivamente implícita, ao Neo-Liberalismo, a Globalização. Mas esta crítica só é eficaz justamente porque o filme tem personagens tão humanamente ricas. Não se trata de abstracções de conceitos como "trabalhadores" "desempregados". Trata-se de pessoas. Aliás só num momento do filme e quando ele já vai avançado, é que há um diálogo em que explicitamente vêem ao de cima a questão ideológica, mesmo assim, nunca como um slogan. É nesse momento que ficamos a saber o que se passou efectivamente com aquelas quatro pessoas que estão desempregadas. Até aí e dai em diante, o filme é um filme sobre isso mesmo; quatro amigos todos com mais de 40 anos e que estão desempregados (foram despedidos entre 200 pessoas num estaleiro) e a forma como cada um deles encara essa situação: É Lino (José Luís Egido) que procura teimosamente um emprego que todos os outros sabem que ele não vai conseguir ou porque não tem as habilitações necessárias ou porque já tem demasiada idade; É Amador (Celso Bugallo), que além de desempregado foi abandonado pela mulher e afoga a sua solidão na bebida; É José (Luís Tosar), cuja mulher que tem uma mulher (Ana) com quem ele não consegue conversar, mas que lhe vai dando ainda o equilíbrio mínimo necessário para que ele não descambe como Amador, Ana (Nieve de Medina), trabalha para sustenta-los, o que contribui ainda mais para a diminuição da auto-estima de José; e é finalmente Santa (Javier Bardem), aquele que é, poderíamos dizer, a personagem principal do filme, sobretudo pelas suas características de quase líder do grupo.


Se os actores são todos magníficos, Javier Bardem pela sua interpretação de Santa merece uma referência à parte. Não realidade, pelo tempo dedicado a cada um das personagens, é duvidoso que o realizador pretendesse dar mais relevo a Santa. Só que Bardem torna esta personagem simplesmente inesquecível. Mesmo para quem já tenha visto muitos filmes com Bardem, acho difícil lembrar que é ele: não é só a barba, nem a maneira como é filmado parecendo mais alto e robusto, é sobretudo a densidade da personagem, finamente caracterizada.·


Santa é o atrevido do grupo, o mulherengo, o inconveniente, o que desafiou a autoridade. É um homem duro, que não mede as palavras e não se coíbe de atirar com a realidade e com os factos do passado à cara dos seus amigos (as traições e desistências naquela que foi a luta comum). De alguma forma, sem ter um discurso claramente político, Santa é aquele que transmite mais claramente a mensagem política a que o filme não pode, nem parece (e ainda bem) querer escapar. Neste capítulo, além do tal diálogo acima referido, a parte em que Santa lê a história da formiga e da cigarra para uma criança, mais do que cómica, é ilustrativa:" esta história está mal contada" diz "essa formiga é uma especuladora e o que o livro não diz é porquê que uns nascem formigas e outros nascem cigarras".

É também um filme sobre a amizade. Uma amizade entre de homens duros, de poucas ou gaguejantes palavras, mas é uma amizade sem falsos sentimentalismos e sem condescendências. Homens que estão ligados, como dizia Amador, "como siameses: um cai, o outro ri-se, antes de perceber que caiu também."


Uma palavra ainda para a o soberba banda sonora do filme da autoria de Lúcio Godoy: Além do tema principal, há apenas mais 2 ou 3, mas as melodias de todos eles são simples, lindíssimas e certeiras e foram incorporadas na montagem de forma irrepreensível.

"As segundas ao Sol" é um filme abre surdo, abre pálpebras, abre cérebro, abre coração. Um dos meus preferidos de sempre.

9.1.05


Depois do inolvidável Calle 54, Fernando Trueba volta com todo o seu talento cinematográfico e o seu amor pela musica, nomeadamente o jazz e música(s) latinas para filmar o histórico encontro em palco de dois gigantes: Bebo Valdês, pianista cubano e Diego el Cigala, cantor flamenco.

Na realidade tratam-se de dois DVD´s.

O primeiro é o concerto gravado em directo em Palma de Maiorca no verão de 2003, na sequência do disco “Lágrimas Negras” de Bebo & Cigala. A filmagem e a edição são magnificas. Consegue-se sentir a paixão e o respeito do realizador por aquela música. Devia ser uma lição para quem quer filma e realizar concertos.

O segundo DVD é um documentário não menos apaixonado sobre a história do encontro e colaboração entre Bebo & Cigala, recolhendo imagens desde as primeiras sessões de trabalho, até aos ensaios e gravação de Lágrimas Negras.

Um dos grandes DVDs de música do ano que findou.

Apesar de tudo, musicalmente, penso que para quem gosta de jazz o “Calle 54” é capaz de ser mais apelativo : é que aqui temos um verdadeiro All-Star do Jazz Latino: Gato Barbieri, Michel Camilo, Chano Dominguez, Eliane Elias, Puntillita, Chucho Valdês, Bebo Valdês, Paquito de Rivera, Jerry Gonzalez, Carlos "Potato" Valdês, Tito Puente. Posted by Hello