O Abre-Surdo
Kubanzas, Zuelas, Kussonekas e Curibotices (*) de três Angolanos vivendo em Portugal, dois em Aveiro e um no Seixal. (*pensamentos, falas, descrições e maledicências)
30.4.05
Not Your everyday singer
McFerrin has an incredible four-octave range (that's 48 keys long on a piano) and a vast array of contrasting vocal techniques. His explorations as a vocalist and composer have combined jazz, folk, rock, spiritual, choral, a cappella, classical and a multitude of world music influences.
Fonte: http://metroactive.com/
from vocal innovator and improviser to director of the St. Paul Chamber Orchestra and back
A 10-time Grammy Award winner, he is the world's foremost vocal innovator and improviser, a highly sought after classical conductor and a passionate spokesman for music education, not to mention the creator of one of the catchiest songs of the 20th century, "Don't Worry, Be Happy" His collaborations with Yo-Yo Ma, Chick Corea, the Vienna Philharmonic and Herbie Hancock have established him as an ambassador of both the classical and jazz worlds.
Born to opera singer parents in New York in 1950, was vibrating in song long before he saw the light of day. His father was the first African American male soloist at the Metropolitan Opera. At home, his parents would sing, teach and entertain guests with jazz standards. McFerrin, who was taking music theory lessons by age 6, mischievously enjoyed hiding under the piano while his dad was teaching, listening to the strange dulcimer-like poundings of notes from beneath the soundboard. Growing up, he learned piano, clarinet and flute.
It wasn't until age 27 that he was suddenly struck with the idea of being a singer. Soon after, he was inspired by the completely improvised solo concerts of pianist Keith Jarrett.
In 1983, however, when he did his first tour of Europe as an unaccompanied vocalist, he did in fact walk out on stage with absolutely nothing prepared. By '88, he had a solid following and a few Grammys under his belt, but was still somewhat unknown to the general public.
In 1990, he made his first appearance with the San Francisco Symphony Orchestra, conducting Beethoven's Seventh. By 1994, he had been named creative director of the St. Paul Chamber Orchestra and was being invited all over the world as a guest conductor
Fonte: http://metroactive.com/
Mcferrin´s Word
"Musicians can get so caught up in the seriousness of music-making. They forget that Mozart was a really joyful man--he had a lot of fun,"
"Musicians play for a living. Remember that, to think of that word, play. We play our instruments. We play music."
"I'm always nervous, and I wanna be, because that means I care enough about what I'm doing."
"there was actually a point in my career where he stopped getting nervous, and so I stopped performing for a while so that I could get the jitters back, because I felt like I wasn't giving a hundred percent."
"I like to think that our task as musicians is transcendence,"
"When you're performing in front of people, you don't want them to leave the same way they came in. "
Fonte: http://metroactive.com/
Exaltado Isaltino
Isaltino Morais leu os estatutos e descobriu que quem não os cumpre é o líder do partido. Porque, ao contrário do que mandam as regras internas, as concelhias e as distritais devem escolher os candidatos às câmaras e que só depois é que a Comissão Política Nacional os ratifica.
O pré-candidato ameaçou mesmo o presidente do PSD de desrespeitar os estatutos e é por isso que vai pedir ao Conselho de Jurisdição Nacional do partido para "apreciar o comportamento ilegal, anti-estatutário e prepotente" de Mendes. Mas a ameaça vai mais longe se o conselho de jurisdição "não agir no respeito dos estatutos", então Isaltino Morais recorrerá aos tribunais.
Marques Mendes quis mostrar que era já era homenzinho e para isso escolheu dois tabuleiros: Apostou que a afronta a Santana e a Isaltino lhe dariam a aura de regenerador da imagem do PSD; Acreditou que o desafio ao PS na questão da data dos referendos lhe daria a primeira vitória política.
E as coisas no início até deram certo:
Apear Santana foi fácil. No PSD – com excepção de meia dúzia de fervorosas “santanetes” e três ou quatro reticentes “santanuts”, todos distinguidos com o cargo de vereador – ninguém o queria.
No segundo tabuleiro, Mendes criou um impasse, embora o desafio ao PS se mantenha aceso. O que só por si foi um ponto para marques Mendes, apesar da chantagem óbvia, que nenhum dos mais ilustres e tele-mediáticos comentadores políticos – sempre independentes no seu brilho de cor levemente alaranjada – desmascarou. Quem o fez, e razoavelmente bem, foi o próprio Sócrates na entrevista a Judite de Sousa.
Só que, de volta ao tabuleiro autárquico, o que Marques Mendes não esperava é que Isaltino fosse um osso tão duro de roer. Isaltino provavelmente conhece o aparelho e as secções locais melhor que Santana Lopes e está disposto a ir à guerra, coisa de que Santana, depois de tantas derrotas e de tantos ferimentos dorsais – com facas pontiagudas e afiadas, umas de brilho prateado, outras enferrujadas, mas todas elas dolorosamente cortantes – já estava visivelmente cansado.
E agora, que está o”fuzuê” armado, Marques Mendes não pode voltar atrás, por o rabo entre as pernas e dizer, com lágrimas nos olhos: “oh pá Isaltino, nós somos amigos. Amigos, pá. Vamos lá parar com isso. Ficas em Oeiras e não se fala mais nisso”. Isso seria o inverso da tal imagem de pequeno grande homem, que Mendes pretendia edificar.
A minha esperança é que isto tudo tenha um efeito beneficamente inesperado:
Que marques Mendes forçado a mostrar mais uma vez que tem autoridade para estar a altura dos acontecimentos, mexa no tabuleiro onde ainda não jogou: na limitação dos mandatos e comece logo por desproteger um dos seus bispos: Alberto João Jardim. Até porque deixar cair o indisciplinado bispo - que gosta de se mover como um cavalo- seria então sim, um feito histórico - uma “ganda noia” - para a imagem de homem político sério, que Marques Mendes espera ter construído até 2009.
29.4.05
Credibilidade ( ter ou não ter).
Numa emissão recente do programa o clube dos jornalistas, ouvi José Manuel Fernandes dizer que o a Tribunal Mundial sobre o Iraque e a sua audiência portuguesa não tinham credibilidade, porque a condenação estava feita à partida.
É evidente que o tribunal mundial sobre o Iraque não é um “tribunal” no sentido judicial do termo. Trata-se de um tribunal constituído internacionalmente em 2003 e que vem na tradição do Tribunal Russell para o Vietname. É pois uma organização que visa denunciar, expor e reflectir sobre o aconteceu: o que levou a esta guerra, o que lá se passou e o que continua a passar-se. Mais: Algumas das perguntas que este “tribunal” levanta são inspiradas nas que fez o Juiz Jackson aquando do tribunal de Nuremberga. É isto que se pode ler no site:
É sabido que a Casa Branca, o Pentágono e a CIA consideram impertinentes as perguntas que o TPI, pelo seu próprio estatuto, está obrigado a fazer. E será também impertinente o tipo de perguntas que o juiz Robert Jackson formulou há quase seis décadas, em nome dos Estados Unidos, no Tribunal de Nuremberga?
No “Processo dos Principais Criminosos de Guerra”, Jackson queria basicamente saber:
1) se os vinte réus em causa tinham conspirado contra a paz;
2) se tinham atentado contra a paz;
3) se tinham cometido crimes de guerra;
4) e se tinham cometido crimes contra a humanidade.
Foram estes os quatro tipos de delitos que serviram de base à sua acusação. O primeiro constituía mesmo uma inovação da lavra do jurista norte-americano: na audaciosa concepção de Jackson, o que configurava crimes de conspiração contra a paz eram acções como, por exemplo, a de armar um aparelho militar de conquista e rapina, a de orquestrar campanhas ideológicas para justificar a agressão, a de organizar golpes de Estado ou assassínios políticos visando preparar o terreno para as hostilidades. Tudo isto tinham feito os chefes nazis. Alguns dos réus de Nuremberga foram condenados por mera conspiração contra a paz.
Será que o comportamento dos actuais dirigentes norte-americanos e dos seus sequazes pelo mundo fora resistiria ao tipo de questionamento apresentado por Robert Jackson?
Portanto, das duas, uma: ou José Manuel Fernandes quis mesmo dizer que não têm credibilidade pessoas como os Professores Nuno Grande e Romero Gândara, Fernando Nobre (presidente da AMI), José Manuel Pureza, Saldanha Sanches, General Pezarat Correia, Frei Bento Domingues, José Barata Moura (Reitor da Universidade Lisboa), Óscar Mascarenhas (ex. presidente do sindicato dos jornalistas) ,Fausto e João Gil (Músicos), Hélder Costa e Luís Miguel Cintra (Encenadores) Henrique Botelho e Isabel do Carmo (Médicos) , José Manuel Mendes (Presidente da Associação Portuguesa de Escritores) Margarida Gil (Cineasta) Maria José Morgado( só para citar os nomes mais “mediáticos” entre muitos, muitos outros), ou então José Manuel Fernandes não sabia bem do que estava a falar.
Qualquer das hipoteses põe a nu a arrogância de JMF: Só tem credibilidade quem partilha os seus pontos de vista. No caso de JMF, quer-me parecer que deverá entender-se como "seus pontos de vista" todos e quaisquer pontos de vista que o seu "guru", Pacheco Pereira, tiver.
Como reverso da medalha, ouvi Rui Pereira dizer que, ao fazer uma análise de mais de 500 notícias que saíram n´O Público sobre a guerra do Iraque, constatou, entre outras coisas, que mais de 70% das fontes noticiosas eram americanas ou ocidentais, menos de 18% eram islâmicas e menos de 8% eram da ONU ou de organizações humanitárias.
Em matéria de credibilidade no que ao Iraque diz respeito, penso que estamos conversados.
Para "O Público" o que vai valendo é algum pluralismo opinativo que sempre vai existindo.
26.4.05
Do estado pré-catatónico da democracia em Timor-Leste ao Estado Católico de Timor.
Segundo as notícias que vêm de Timor, a igreja tem vindo a orquestrar protestos populares contra o governo, chegando mesmo a exigir a sua demissão. O mais incrível é que, ao que parece, a razão de tal levantamento é tão simplesmente o governo ter decidido que a disciplina de religião e moral devia ser facultativa nas escolas do estado.
Esse tipo de medida, mais do que pacífica, é natural em todas as democracias ocidentais. Esse tipo de medida é uma exigência em qualquer estado laico.
Mesmo que não seja apenas isso que esteja em causa, mesmo que a alguém faça uma avaliação negativa do desempenho do governo Timorense, não cabe a igreja, num estado democrático, fazer oposição política e muito menos impulsionar revoltas populares.
Para se perceber a gravidade da situação, o primeiro-ministro Mari Alkatiri – o intrépido ex-comandante das Fretilim que substituiu Xanana enquanto este esteve preso - já admite mesmo voltar atrás na decisão governamental. E já pediu até um encontro com os dois bispos que, arrogantemente, recusaram.
Um governo eleito democraticamente a sofrer uma ameaça de levantamento pela igreja? E qual é o seu plano no "day-after"? Criar um estado fundamentalista católico?
E evidente que seja qual for a posição do Vaticano em relação a esta confusão, ela nunca sairá cá para fora. Mas não é bom prenuncio as coisas terem chegado a este ponto.
Não é admissível que se aceite nos países desenvolvidos como um bom principio - para a saúde do Estado e até da democrácia - a separação entre a igreja e o estado, mas que depois se faça vista grossa quando alguém num país mais atrasado resolve guerrear esse mesmo principio.
Não me espantava nada que Alkatiri se demitisse. Percebo que um combatente idealista não anda anos e anos a lutar por um povo e uma ideia justa para depois ter que aturar acusações injustas e quiçá o tornar-se vilão para esse mesmo povo. No entanto espero que não o faça. Porque é a democracia de Timor que está em causa. Se necessário que lidere mais uma vez a resistência. Porque se Alkatiri lhes der esse dedo, É Timor que poderá nunca mais recuperar o braço da democracia.
PS – Para alívio meu, ao contrário do que se disse, parece que Ximenes Belo não está envolvido nesta refrega. Pelo que não perde assim a aura que ganhou pelos anos de resistência.
25.4.05
24.4.05
Angola : As misérias dos ricos no “safa, safa”
Ouvi recentemente a notícia: A OMS estava a pedir que houvesse doações internacionais para aquisição de material médico para ajudar na contenção da febre hemorrágica que surgiu no Uíge. E em que valor era o material? Três milhões de dólares.
Não quis acreditar. Um pedido internacional de três milhões de dólares? Então e os empresários nacionais? E os governantes milionários? E os generais?
Quem for a Luanda ficará certamente espantado com a banalidade com que se fala em dólares. Milhões de dólares. “Aquela casa ali? É do Xyz, custou 12 milhões de dólares. E o que faz, esse o Xyz? Não sabes? É empresário. E aquele iate? Esse custou dois milhões, é a prenda de casamento que ministro fulano deu a filha do general sicrano.”
Os governantes, todos sabem, são ricos. Os generais e os deputados também. Ninguém consegue explicar como. Dizem e diz-se que todos são “empresários” e enriqueceram com “negócios”. Que negócios, ninguém conseguem explicar ao certo. Também não é preciso. Ninguém investiga, não há separação entre órgãos de soberania, e portanto, entre eles, comem todos. Enquanto isso, o povo, para entreter a fome, vai admirando à distancia os casarões e fazendo adeus aos Mercedes pretos de vidros fumados que passam ágeis entre os buracos da estrada.
De vez em quando, a “human rights watch” ou uma variante lá faz um relatório sobre a corrupção em Angola. Mas, em Angola ninguém liga. O povo quer lá saber. O povo tem é fome. Melhor dizendo: o povo tem fomes. O objectivo é ter o que comer, para depois ter energia para pensar, analisar profundamente se não há um primo, um sobrinho, um tio – nem que seja em décimo nono grau –, que faça também parte da grande mesa onde todos comem. O grande objectivo é descobrir na árvore genealógica, o familiar que têm os “puros” contactos. Se não houver nenhum, o próximo passo é procurar na trepadeira genealógica do vizinho. Afinal, vizinho também é praticamente parente.
Já as elites desengajadas e pensantes, no seu pseudo nacionalismo proto chauvinista ficam revoltadas ao ler, nos tais relatórios ONGistas, exactamente o mesmo que eles dizem nos almoços de fim-de-semana. É o que se pode resumir em “ nós podemos falar mal desta porcaria, mas os estrangeiros não”. Algo que foi aliás aprendido com os portugueses.
Voltando aos empresários: percebe-se que são todos muito “talentosos” pois nunca se ouve falar que algum tenha entrado em falência. Além do seu inegável talento, convêm talvez acrescentar que beneficiam de financiamentos e créditos infinitos mas invisíveis. Sim, porque Angola é um país rico e o seu governo generoso. Para si mesmo e para os seus amigos. Os outros empresários, os que não são “amigos”, esses têm de se candidatar aos magros créditos visíveis. Procurar um financiamento bancário, um alembamento camanguista, enfim, safar-se.
“Safar” e aliás a palavra de ordem. A maior parte da população não tem trabalho. Cada desempregado tenta desenrascar uns “esquemas que safem a situação”. Os tais “empresários”, não geram emprego. Não estão interessados. Os seus negócios são apenas de “importação/exportação”. Não há investimento à médio/longo prazo. O que interessa é tirar lucros imediatos, se possível sem investir muito. Nisso os “empresários” angolanos são iguaizinhos aos estrangeiros. E por isso também surgem as “parcerias esquisitas”: com libaneses, chineses, israelitas, russos, brasileiros, etc., etc.Alguns empresários estrangeiros menos adeptos de “esquisitices”, às vezes até chegam com ideias audaciosas, mas depois conversam com “quem está no terreno” que lhes explica como funcionam “as coisas”. “Automaticamente” só lhe restam duas alternativas: “Adaptar-se” ou “bazar”. A maioria opta por se “safar”. Há uma palavra inglesa que qualquer criança Luandense com 7 anos sabe dizer: “business”.
No fundo os tais empresários e os tais governantes acreditam pouco em Angola. Preferem pôr os seus milhões num qualquer banco estrangeiro e esperar para ver, não vá amanhã aparecer alguém a arrastá-los dali para fora. Parece que não perderam a mentalidade de colonizados e comportam-se como ocupantes temporários.
Faz-me lembrar a história sobre um soldado de um dos movimentos de libertação, que na véspera da independência, ao ocupar um dos quartéis portugueses, resolveu urinar no chão do refeitório, porque, dizia ele, “os tugas quando voltarem vão encontrar isto tudo mijado”. Claro que nessa altura havia sempre um comandante politizado capaz de explicar ao soldado que “os Tugas não vão voltar mais. É independência mesmo.” E que havia que “preservar as coisas porque agora eram nossas e de todos”. Hoje esse comandante mudou muito ou então- sou capaz de apostar - não se deu bem na vida. Provavelmente, hoje está-se a safar.
Nada disto é novo. O que é novo para mim é que se armem em pobres. Os angolanos em geral, os luandenses em particular sempre gostaram de se armar em ricos. E os novos-ricos luandenses são os mestres supremos da arte de exibir. Ele é carros de luxo, ele é barcos de recreio, ele é palacetes com piscina, guardas e capangas, cozinheiros e motoristas, ele é casa de praia, ele é helicópteros e aviões, amantes e – a nova moda – exibição de amigos internacionalmente famosos (actores, cantores portugueses, espanhóis, brasileiros e americanos).
É por isso que pergunto: onde andam os empresários sempre dispostos a contratar um "Bustha Rymes" para cantar em praça pública com cerveja de graça para todo o mundo? Onde estão os ministros que oferecem, do seu – "seu" é como quem diz... – próprio bolso, escolas, creches e lares? Finalmente: onde está o presidente e a sua milagreira fundação? Ou será que a similitude entre a dita e um adubo natural vai para além do nome?
Agora, que podiam mostrar que têm “power”, assobiam para o lado e fingem que não é nada com eles. Preferem que seja comunidade internacional a dar os “míseros” três milhões de dólares. Claro. Porque se haviam de preocupar? O vírus de marburg não chega as suas casas, não entra nos Mercedes nem no jipe 4x4. O vírus de marburg não anda de avião nem de helicóptero. Não vai a praia, nem tem casa no mussulo. O vírus de marburg está entre o povo. Só pode contaminar o povo e aqueles poucos, incautos que andam com o povo. Na realidade, aos olhos desses salteadores mascarados de empresários mascarados de governantes, o vírus de Marburg é o povo. De repente lembrei-me de um trecho da música “Haiti” de Gil e Caetano: “Pobres são como podres”. Em Angola só quem não se safa é o povo.
21.4.05
Da minha epicrise antipapal
Parece que o post que escrevi sobre o Papa Ratzinger causou algum desconforto entre alguns dos poucos mas fiéis leitores do Abre-Surdo. Antecipando a repetição ou manutenção destas reacções e sentimentos, ocorre-me dizer o seguinte:
Sem pretender de forma alguma desculpar-me quero apenas dizer que esse post foi escrito em directo com o tempo em que se fez a novidade. Foi um azedume necessário, um grito espontâneo. Não foi, posso garantir, o resultado de uma estética noise testada e ensaiada em estúdio e esterilizada em laboratório. Estes “gritos” e "descargas" são algo de que também vive este blog e que considero absolutamente importantes para a manutenção do meu estado mental que é, devo dizer, orgulhosamente precário
Quero assegurar que estou longe de pensar que a igreja católica seja um dos principais problemas com que hoje se defronta a Humanidade. Mas, porque reconheço a sua tremenda importância, preocupa-me a sua indisponibilidade para dar o contributo necessário e possível na luta contra esses problemas.
Em meu favor, talvez deva confessar que há muito desconfio que o meu “anticatolicismo” não é totalmente autónomo e genuíno pois acredito que pelo menos 50% das culpas serão do evadido seminarista que me gerou. É ele quem co-responsabilizo genética e educacionalmente pela mais que provável perdição eterna da minha alma.
Repito: não estou com isto a desculpar-me, mas, passada que está a minha epicrise antipapal, não quero que se pense que pertenço àquela casta de consumidores compulsivos de tudo o que sejam ideias, literaturas e panfletos anticatólicos, desde o “Porque não sou cristão” até ao “Código de Da Vinci” Estou também em condições de assegurar-vos que nunca pousei os olhos num parágrafo de Dan Brown e que tampouco planeio faze-lo nos próximos longos tempos. Infelizmente a única bíblia a que os meus olhos têm e terão direito não é uma bíblia antibíblia sagrada. É apenas o Harrison´s Principles of Internal Medicine, na sua décima sexta e não menos intragável edição. Confio que os seus ensinamentos são inócuos para a “Santa” igreja.
Vou percebendo as razões de quem diz que a história acontece circularmente, mas não consigo deixar de temer que esse círculo possa afinal ser parte de uma espiral que um dia destes nos levará a regressar a idade das trevas
Finalmente, admito que teria muitas explicações a dar, se a minha querida avó fosse adepta de navegar pela blogolândia. Só por causa dela é que vou resistindo a este anticatolicismo descontrolado, doença crónica e recidivante.
19.4.05
16.4.05
Casa da Música? Bem fixe, mas…. Lou Reed?
Lou Reed , como Dilan ou Jim Morrison pertence aquele grupo de artistas que são sobretudo letristas (ou, se quisermos, poetas) que usam o veiculo das canções para se exprimirem, mas que não se importam de terem feito vinte músicas com três acordes. Ou seja Lou Reed não é um grande músico e para dizer a verdade é um cantor muito limitado. É por isso que achei um pouco escabrosa a sua escolha para primeira noite da Casa da Música. E quero deixar claro que não se trata de hierarquizar músicas. Se queriam “dar-nos” um xarope popintropectivopressivo, consagrado e reverenciado que trouxessem um Tom Waits ou até uma Joni Mitchell. Sempre seria uma escolha de um(a) compositor/músico(a) mais sólido(a).
Ok, se calhar estou a ser implicativo. Lou Reed , como músico não é grande espingarda, mas gajo porreiro, lá isso ele é
Jorge Vercilo- Tentando fugir ao epíteto de sub-Djavan
Como costuma ser nesse tipo de material, o texto de divulgação distribuído para a imprensa junto com o novo CD de Jorge Vercilo, "Signo de ar" (EMI), é recheado de elogios (...)
Tudo corre dentro do esperado até o pé do texto, onde se encontra a assinatura: Aldir Blanc, um dos nomes mais respeitados da MPB. O estranhamento é inevitável, afinal o público que incensa Blanc é o mesmo que costuma criticar Vercilo como um compositor menor, pasteurizador de estilos, clone de artistas consagrados e por aí vai. Mas Blanc é apenas o mais recente fã nobre da MPB-pop de Vercilo - uma lista que conta com nomes insuspeitos como Ed Motta, Leila Pinheiro, Fernando Brant, Fátima Guedes, Marcos Valle, Celso Fonseca e Ivan Lins.(...)
Depois da consagração popular, Vercilo agora vem conquistando respeito da "inteligência" - como ele gosta de chamar o grupo (imprensa e formadores de opinião) que o critica. Um movimento parecido com o vivido por Paulo Coelho, que nos últimos anos conseguiu uma cadeira na Academia Brasileira de Letras (sonho impossível anos antes) e tem tido um tratamento melhor por parte de jornalistas que costumavam saúda-lo com ironias e gracinhas.(...)
As alfinetadas nos críticos encontram eco em Aldir Blanc ("... alguns estruturalóides uspianos...") e Ed Motta ("... 'desinformadores de opinião' insistem numa visão estreita e implicante no paralelo Vercilo/Djavan."), autores respectivamente dos textos de divulgação dos CDs "Signo de ar" e "Livre"e Leila Pinheiro, que grava em seu novo CD a canção "Pela ciclovia", a primeira parceria do compositor com Marcos Valle.
(...)
- Admiro Vercilo sobretudo como grande autor de canções lindas, um melodista e harmonizador sensacional. As pessoas têm um preconceito injusto, com essas coisas de sub-Djavan, o que é uma besteira. Talvez fazer sucesso incomode, não sei. Não vejo motivos para ele estar fora da roda mais respeitada da MPB. - diz a cantora.
Além de Valle, Vercilo ganhou nos últimos tempos outros parceiros "inusitados". Um deles é Fátima Guedes, compositora densa gravada por Elis Regina e Nana Caymmi, entre outros. Outro é Fernando Brant, parceiro de Milton Nascimento na clássica "Travessia".
Na realidade acho o som do Vercilo um pouco meloso demais e é talvez por isso que ele tem sido olhado como uma versão adocicada e light do Djavan mais adocicado e light. Mas penso que o problema não é propriamete a musicalidade de Vercilo. Vercilo até é um bom cantor e um bom músico (embora, entre a "nova geração", esteja ainda à alguns quilómetros de um Sérgio Santos ou de um Márcio Faraco). Mas é na escolhida das parcerias (letristas) e no estilo de produção, que a sua música não tem sido potencializada (apesar do enorme sucesso comercial). As letras têm sido maioritariamente variantes da mesma lenga-lenga: "coração", "amor", "sofri" e, etc e tal. Com Fátima Guedes e Fernando Brant só pode melhorar. A sua música ganharia também outra dimensão com um outro nível de produção. Um Rodolfo Stroeter talvez fosse pedir muito, mas ao menos um Ronnie Foster, por exemplo.
14.4.05
Sobre "segurança" e sobre o "caso Terry Schiavo", Enviado por Ana
O problema é que cada vez mais a palavra "segurança" é equacionada com as ameaças de bin ladens e afins ou com o crime de rua. A segurança de não morrermos envenenados pelos químicos, por todo um sistema de vida cada vez mais assente na contradição gritante, e neste caso por um "engano" (não percebo como ele pode ocorrer mas...) com consequências potencialmente muito graves... essa segurança não a temos.
Quanto ao caso Schiavo, tens razão quanto ao "tempo de antena", mas a discussão sobre ele (ou a partir dele) é fundamental: viver é o quê?Um pormenor que para mim não é de somenos foi o método terrivelmente hipócrita e simbolicamente cruel (ou realmente cruel:há certeza de que ela não sofreu...?) de terminar uma vida vegetativa: retirar a água e a comida. Porque não uma injecção rápida, sem a convulsão do "quando morre, quando será?" Uma mulher que morre por não ter água é mais ético do que morrer com uma injecção? E qual a ética de se prolongar a todo o custo uma vida sem vida e deixar morrer centenas/milhares ali ao lado ou por esse mundo fora?
enviado por Ana.
Completamente de acordo contigo, Ana.
No caso Terry Schiavo a "injecção" seria visto como eutanásia, algo que o tribunal não teve coragem de assumir, até pelos precedentes que criava. Mas de facto também tenho grandes dúvidas não só sobre a ética mas também sobre a dignidade da "solução" "desidratação e desnutrição".
Pelas notícias nunca consegui perceber exactamente quais eram as areas do seu sistema nervoso central que estavam irreversivelmente lesadas. Mantinha autonomia cardio-respiratória (não estava ligada a máquina de ventilação artificial). Acredito que não tivesse mais nada, pelo que não terá "sofrido"no sentido sensorial do termo. Ainda assim, o método e maneira como morreu parece-me uma solução algo "brutal" até pela degradação física que implicou. Provavelmente, e se esse era o seu desejo, Terry Schiavo deveria ter tido alguém que estivesse disponível para ajudá-la a morrer. O que, provavelmente, deveria ter acontecido há muitos anos atrás.
Laboratorio Americano "brincando" com o H2N2
Por uma decisão equivocada, quase 4 mil laboratórios em 18 países receberam, de uma instituição de pesquisa americana, amostras de um vírus especial letal da gripe. A Organização Mundial de Saúde pediu nesta quarta-feira a destruição de todas as amostras, temendo o risco de uma pandemia - que é considerado pequeno, mas não desprezível. O vírus enviado é do subtipo H2N2, causador da pandemia da gripe asiática de 1957-58, que matou um a quatro milhões de pessoas.
- O vírus poderia causar uma epidemia global de gripe. Foi uma decisão pouco acertada enviá-lo - disse o coordenador do programa de gripe da OMS, Klaus Stohr.
O cientista explicou que amostras de vírus foram enviadas a 3.747 laboratórios de 18 países como parte de testes rotineiros que se fazem todos os anos. Mas a Agência Canadense de Saúde Pública comunicou, no dia 26 de março, que um laboratório do país identificou em um amostra o vírus A/H2N2 similar ao que circulou em 1957 e 1958, causando a chamada pandemia de gripe asiática, e que ressurgiu em 1968. A OMS alertou que "as pessoas nascidas depois de 1968 podem ter imunidade limitada a esse vírus, que não se incluiu em nenhuma das vacinas trivalentes contra a gripe".
Esta notícia é incrível.
O mesmo país que gastou 40 mil milhões de dólares com "Segurança Interna" em 2004 e que irá gastar mais 50 mil milhões em 2005, não conseguiu que o seu "sistema de segurança" impedisse um laboratório seu (Meridian Bioscience Inc., de Newtown, Ohio) de enviar a cepa (strain) asiática H2N2 do vírus da gripe a vários laboratórios sem que os mesmo tivessem disso conhecimento. Pudendo assim estar hoje estar a infectar - e possívelmente matar alguns- milhões de pessoas.
Acabou por ser um laboratório de Manitoba no Canadá (por acaso um país com serviço nacional de saúde gratuito ), a testar os vírus do kit e a concluir que era a mesma cepa de gripe que causara a pandemia a escala mundial em 1957/58 e em 68 e foi assim que imediatamente alertou a Organização Mundial de Saúde e o U.S. Center for Disease Control.
A OMS, então começou a notificar laboratórios nos 16 países que receberam carregamentos dos tais kits. A mesma OMS que tem sido habitualmente criticada e tem tido o seu financiamento várias vezes ameaçado pelas "mentes brilhantes" que na Casa Branca e nas suas "delegações mundiais" tomam decisões sobre segurança mundial, saúde pública, bioterrorismo,etc.
PS- Não ví esta notícia ter tido o devido destaque em Portugal. Mas,o que importa um vírus da gripe quando comparado com o caso Terry Shiavo?
12.4.05
Descansando os Olhos: Unemployment, Yemima Ergas.
Precisão
O que me tranquiliza
é que tudo o que existe,
existe com uma precisão absoluta.
O que for do tamanho de uma cabeça de alfinete
não transborda nem uma fracção de milímetro
além do tamanho de uma cabeça de alfinete.
Tudo o que existe é de uma grande exactidão.
Pena é que a maior parte do que existe
com essa exactidão
nos é tecnicamente invisível.
O bom é que a verdade chega a nós
como um sentido secreto das coisas.
Nós terminamos adivinhando, confusos,
a perfeição.
Clarice Linspector
Cabo-Verde na CE?
Germano Almeida é um conhecido escritor caboverdiano, talvez um dos mais conhecidos. Autor de obras como "O Testamento do Senhor Napumoceno da Silva Araújo" ou "As memórias de um espírito", este homem é também um reputado advogado.
Em declarações á RDP-África, Germano Almeida disse que Cabo Verde não pode pertencer á União Europeia porque "nós somos pretos", "não íamos ser considerados iguais" e ainda porque tal adesão significaria uma "humilhação".
Surpreendidos? Também eu.
Bazonga da Kilumba
Penso que antes de mais nada é preciso respeito. Germano de Almeida merece respeito. Penso ainda que Germano de Almeida está a falar com o coração cheio de romantismo, e nostalgia dos anos de idealismo nacionalista e pan-africanista. É preciso perceber o que ele diz e porque o diz. Mesmo não concordando com ele.
Sobre a hipótese de Cabo-Verde vir a aderir a Comunidade Europeia, devo dizer que já estava a espera deste tipo de reacção. Pensei é que seria limitada aos jovens estudantes Cabo-verdianos. Enganei-me.
Da minha experiência de convívio com amigos Cabo-verdianos muitas vezes noto que eles tentam ser "mais papistas que o papa" em relação a Africa. Muitos vezes ouço-os reclamar dos "preconceitos dos portugueses", da "mesquinhez portuguesa", do quanto "detestam viver em Portugal", da sua vontade de regressar, etc. Frequentemente segue-se a ladainha do costume sobre a beleza de africa, a riqueza da(s) culturas africana(s), o colonialismo ser a causa de todos os males de Africa, etc, etc
Não ponho em causa a legitimidade dessas reclamações e sentimentos, apenas constato que elas são mais frequentes e mais vivos por parte de Cabo-Verdianos do que da parte de Angolanos, Moçambicanos ou Guineenses. E faço a pergunta: Porquê? Porquê que os Angolanos, Moçambicanos e Guineenses não são tão afirmativos em relação a sua "africanidade"? A minha resposta é simples: porque não precisam.
Como resultado dessas conversas com Cabo-verdianos, fico muitas vezes com a ideia de que há uma difícil aceitação de algo, que, para mim, é uma constatação óbvia: A cultura portuguesa está firmemente presente nos aspectos identitários de Cabo-Verde. (basta pensar na língua e música nacional (crioulo e morna).
Sendo os Cabo-verdianos maioritariamente "crioulos" e sendo a sua cultura o resultado de uma mistura, esta atitude "hiper-africanista" surge justamente por “efeito de compensação” da sua "europeicidade”.
Ora, é preciso ir ao passado colonial e analisar o papel- alguma forma hegemónico- que o colonialismo atribuiu ao homem cabo-verdiano na Guiné e em Angola para se perceber o "Drama" dos os intelectuais nacionalistas Cabo-verdianos. E assim, acreditando que precisavam de se "redimir" e porque duvidavam que o resto de Africa os visse como plenos "irmãos africanos", precisaram de se mostrar "mais papistas que o papa". Possivelmente de forma inconsciente sentiram que tinham de "compensar" a sua cultura "europeia", a sua "pele mais clara", o facto de terem sido de certa forma os "protegidos" durante a época colonial. As novas gerações (que são os actuais estudantes cabo-verdianos em Portugal) cresceram e foram educados no meio deste complexo.
É assim que, sobre as afirmações de Germano de Almeida, digo o seguinte: percebo o seu idealismo, só que acho que é mais fácil ser-se idealista quando se tem o que comer. Em relação a vida das pessoas acho que as vezes é preferível ser prático.
Se eu tivesse nascido Cabo-verdiano na época colonial, ainda que pertencesse a uma elite, quero acreditar que teria também tido a coragem para participar, de alguma forma, na resistência e na luta de independência. Mas, nos tempos que correm, no ano 2005, não me importava nada que Cabo-Verde viesse a pertencer a comunidade europeia, se isso significasse a melhoria das condições de vida dos Cabo-verdianos. Até porque seria também benéfico para Africa e não significaria um afastamento nos laços de irmandade com Africa nomeadamente a lusófona. Basta pensarmos, por exemplo, que, mesmo pertencendo a outro continente, são os brasileiros aqueles com que os angolanos se sentem mais irmanados
9.4.05
Kayelitsha, South-Africa, today. 2003 A township, close to Cape-town, after the end of Apartheid. Two kids, 14, Madiba and Sipho play along the railway. A train passes by. A dead man rolls to their feet. On him, they find a gun and a video camera. Sipho takes the gun and Madiba the camera. Their destiny is sealed. Benny, their friend makes a wooden camera and Madiba hides the video inside, in order to avoid embarrassing questions, racketing etc. He starts filming the township and its inhabitants. He discovers the strange beauty of his life's setting. Sipho, the boss, brings his friends to Cape-town, the white city, so close, so far, so exotic to the eyes of the children. While Sipho forms a gang with the street children and makes all kinds of illicit trading, Madiba films the town, its huge buildings, its business life, and its luxury. In a bookstore, he films a young white girl, stealing a book. They look at each other. Going out of the store, she drops book on road, knowing he will pick it up. In it she has written a message. Estelle belongs to a traditional Cape-townian white family. Her father is a famous doctor. Comfortable life. Prejudices not really questioned by the change of regime
fonte
The Wooden Camera
O segundo filme do Sul-Africano Ntshaveni Wa Luruli - que tem no currículo ter sido assistente de produção in set em três filmes de Spike Lee: Malcolm X, Crooklyn e Jungle Fever- é um retrato fresco mas, ao mesmo tempo, realista, da Africa do Sul pós-apartheid e dos seus persistentes contrastes sociais.
Filmado com leveza, montado com fluidez e contando com um casting excelente de jovens actores ( sobretudo os que interpretam Madiba e Sipho), o filme gira a volta das imagens que supostamente vão sendo captadas pelo olhar e sensibilidade do personagem Madiba. São estas imagens que criam a sensação de realismo, às vezes, quase documental que está contido no filme.
Penso ser interessante analisar as semelhanças e contrastes que o filme apresenta relativamente ao “blockbuster” brasileiro “Cidade de Deus”: Ambos abordam a situação de exclusão e violência nos guetos. Ambos têm como personagem principal um jovem tímido, que não se consegue enquadrar no mundo violento que o circunda. Em ambos, o jovem “apaixona-se” por uma câmara. Em ambos, a câmara dá-lhes uma perspectiva, serve de alimento ao sonho de escapar à vida do gueto. Em ambos os filmes o jovem em questão é - e não podia deixar de ser- negro. Mas o filme de Wa Luruli é menos ambicioso, tecnicamente menos pretensioso, muito menos violento, mais leve, mais poético e, apesar de tudo, cheio de esperança.
8.4.05
Papadas e Paparias (2)
Hoje o Papa vai a enterrar. Mas não se pense por isso que poderemos finalmente descansar da telemediaevangelização dos últimos dias. As semanas que faltam até que os "ilustres" cardeais escolham o novo “superstar” católico servirão de pretexto para que a a “missa” continue.
O papa vai a enterrar. Ouvi na rádio um cardeal dizer " o papa fechou os olhos, mas como se pode constatar pelas manifestações dos últimos dias, está vivo". Assim sendo, se morreu mas está vivo, “enterrar” talvez não seja um termo feliz. Será talvez mesmo desapropriado.
O Papa vai a tumular. Leio que será sepultado na cripta do Vaticano onde jazem todos os outros papas, nomeadamente o primeiro de todos: São Pedro.
Entretanto , há outro, que não é santo, mas crê que é mártir, que também vai a enterrar( ou, se preferirem, a sepultar). Mas, no caso de Pedro , e ao contrário do que se diz do Papa, embora esteja vivo, desde dia 20 de Fevereiro que está morto. Faltava enterra-lo. É o que vai acontecer no congresso partidário que ocorre este fim-de-semana . E aqui, “enterrar” é mesmo um termo apropriado.
Papadas e Paparias
(...) como justificar a verdadeira "lavagem ao cérebro" que tem sido esta semana de programação da RTP? Desde a morte do Papa que se sucedem os programas apologéticos sobre a figura de Karol Wojtyla: documentários, filmes, séries, debates, entrevistas com padres (para não falar da repescagem, em horas mortas, de películas bíblicas tipo «Arca de Noé»). De um momento para o outro, a RTP transformou-se no sucedâneo visual da Rádio Renascença. Ainda ontem, por exemplo, vi o Nuno Santos a moderar um debate com jovens, sobre o Papa e o seu legado, intitulado «Totus tuus» (a divisa de João Paulo II, que significa «Todo Teu [de Maria]», mas que pode ser entendido, neste caso, como «Todos Teus»). No chão do estúdio, dentro de uma elipse de dimensões consideráveis, estava desenhada a bandeira do Vaticano.
José Mário Silva no BdE
A comunicação social tem na morte do Papa matéria para grandes audiências. Mais emocionante que a morte de uma princesa Diana, mais pungente que a morte de um futebolista, mais importante um qualquer escândalo político, muito melhor que um julgamento por pedofilia, infinitamente mais apetitoso que um casamento real.
A igreja, conscientemente, deixa-se vampirizar pelos abutres mediáticos, porque vê nisso importantes benifícios: A oportunidade de enviar a sua mensagem gratuitamente durante horas e horas para o mundo inteiro. Eis a igreja draculizando-se a si própria, ganhando vida mediática com a morte papal. O Papa mesmo depois de morto continua o seu trabalho. Não sei é se é trabalho forçado ou voluntário.
3.4.05
2.4.05
Existir: mais do que o medo, a constante duvida.
Se há tsunami no sudoeste asiático, logo há que fazer uma contagem do número de vítimas portuguesas
Se há um atentado, quantos portugueses morreram?
Em Angola há uma febre hemorrágica?... Portugueses?... Há portugueses infectados?
O despudor mediático chega ao ponto de mostrar pesar por não haver vítimas portuguesas.
Se uma, qualquer, celebridade (verdadeira ou fictícia) tem um apelido "aportuguesado", é absolutamente necessário descobrir as origens portuguesas (verdadeiras ou fictícias) do dito cujo.
Já soube até de alguns, completamente obcecados, que andam à procura de personagens portuguesas nos romances de Júlio Verne.
Agora, que até no momento em que o João Paulo II se prepara para deixar este mundo, alguns (jornalistas e quejandos mediáticos) se detenham desde já a analisar as hipóteses de um cardeal português vir a ser o novo papa, eis algo verdadeiramente patológico.
Que necessidade é esta de se ser, durante dois minutos, notícia na CNN para se ter a noção que se existe? Mas, que raio, o presidente da Comissão Europeia (goste-se dele ou não) é português. Nem isso serve de terapia?