O Abre-Surdo
Kubanzas, Zuelas, Kussonekas e Curibotices (*) de três Angolanos vivendo em Portugal, dois em Aveiro e um no Seixal. (*pensamentos, falas, descrições e maledicências)
29.9.04
Surdez máxima com os WhiteSnake
Desculpem-me lá este artigo, mas tem mesmo que ser:
O cancelamento da vinda dos Scorpions, (des)patrocinada pelos dragões do pinto ainda conseguiu atrasar o processo, mas com a vinda de Madona, foi aberta irreversivelmente a caixa de pândora: Lisboa vê-se inundada definitivamente pela música de plástico. Desta vez são os WhiteSnake.
Sinceramente, que espécie de grupo, é que se auto designa por um animal- a cobra- que é surdo que nem um(a) Porta(s)?
O primeiro culpado é líder, o tal de Dave Coverdale, que obcecadamente persiste e insiste em ressuscitar pela quinquagésima nona vez este erro supremo da história da musica rock anglo-saxónica, cujo estilo foi designado por...hair metal.
Gostaria de saber a identidade do responsável pelo acto de terrorismo sonoro que se vai comenter hoje à noite em Lisboa. Desconfio que foi o pessoal do Gato Fedorento que, no gozo, se lembrou de promover a vinda a Portugal destes Zombies.
Há quem, porque talvez confunda embrulho (“o look”) com a prenda (“a música”), caia no erro de comparar esta banda aos Led Zepelin e aos Deep Purple. Só que o problema não é só o gosto duvidoso dos cabelos cumpridos alourados e penteadinhos, as calças justas a imitar pele de cobra e as botas texanas por cima. O problema principal são os trezentos mil watts de velhas e estafadas “malhas” pentatónicas na reciclada guitarra Fender Stratocaster; as ritmos binários em 4 por 4 com acentuação no tempo forte; o baixo a fazer blu-blu-blu-blu em cada compasso e a voz esganiçada sobrepondo-se em alta berraria de “is this love?”. Tudo o que de mais enfadonho e previsível se produziu no genericamente pouco inspirado período pop-rock do anos oitenta e periferia.
O Primeiro-ministro é Santana? Tem que haver banda sonora a condizer com este filme. Por isso preparem-se, até 2006 ainda há muito por onde escolher: Rod Stewart, Bon Jovi e Brian Adams são os próximos.
Resta-nos fazer como o pessoal da aldeia do Asterix e colocar salsa nos ouvidos
27.9.04
Alberto João, vence o seu "boneco"
Ontem à noite, na Sic Notícias, Maria João Avilez recebeu o “pessoal” que faz o Inimigo Público e o Contra Informação.
A determinada altura foi perguntado qual era o “boneco” mais difícil de fazer. A resposta foi: Alberto João.
-Porquê?.
-Porque é muito difícil atingir os níveis de anedótico da versão de carne e osso.
Ou seja, só Alberto João para se superar a si mesmo.
Palavras dos outros: António Manuel Hespanha
Os "Filhos de Rousseau" Têm as Costas Largas
A generalidade dos comentadores estabelecidos vem elegendo como culpados de quase todo o mal do mundo os "filhos de Rousseau". Querem designar assim os que entendem que tem que haver algum governo; e que é melhor que esse governo provenha de um sujeito que se sabe quem é - nem que seja para o criticar - do que de entidades sem lugar, sem nome, sem cara, como é o "mercado", a "globalização", o "país real". Essa entidade de quem os "filhos de Rousseau" esperam uma certa racionalização da desordem estabelecida é o Estado.
Claro que o Estado, na sua curta vida de dois séculos, foi sempre razoavelmente mau: planificou mal, executou pior, foi arrogante e abusivo no exercício do poder. Porém, isto aconteceu tanto mais quanto a ideia original de Estado se corrompeu. De facto, na ideia original, o Estado devia ter essa força toda porque ele era a encarnação da vontade geral ou, pelo menos, generalizada. E, por isso, os revolucionários sempre partiram do princípio de que o Estado, por ser poderoso, tinha que ser democrático.
Desta paixão estadualista surgiu a Europa que nós conhecemos. Muito do que temos de bom veio da mão do Estado ou foi por ele decisivamente impulsionado - as estradas e caminhos-de-ferro, o fomento da economia, a generalização do ensino, da saúde e da previdência, a protecção dos mais fracos e, já agora, a ordem pública e a defesa externa, E, tanto isto marcou as nossas vidas que, quando nos queixamos de que algo não vai bem, queixamo-nos ao Estado, ou queixamo-nos do Estado. Claro que dele também nos veio muito de mal. Ditaduras, violação de direitos, guerras, protecção de interesses camuflados de públicos, corrupção, desperdício e má gestão.
De tudo isto, a "nova direita" costuma eleger como herança de Rousseau os totalitarismos modernos: o nazismo e o estalinismo (ficando o maoísmo um pouco mais esquecido, por compreensíveis nostalgias de muitos dos nossos liberais mais evidentes). Quando (finalmente) ataca o totalitarismo, a direita tem razão. No entanto, o que é preciso notar é que a ditadura surge quando e, só quando, o projecto revolucionário de Estado é amputado da sua componente democrática. Componente que inclui não apenas a liberdade de decidir, mas também a criação de condições para decidir livremente. Fomentando a igualdade, desenvolvendo a cultura, garantindo a pluralidade, fomentando o pensamento crítico, acarinhando - como propunha o liberal Stuart Mill - os extravagantes e os dissidentes.
Os privados podem, naturalmente, fazer por tudo isto. O voluntariado, as ONGs, as Igrejas, as fundações, o mecenato científico e cultural. Mas, por muito que lhes creditemos, não foram eles quem fez o essencial da sociedade de bem-estar. Foi a mão orientadora (e pagadora) do Estado.
Não de um Estado ideal, ocupado apenas por sacerdotes virtuosos do bem público. Não! A mão do Estado que temos tido! Ou seja, de um Estado que - soe ou não isto a panfletário - tem estado quase continuamente ocupado pelos poderosos da sociedade civil, por alguma decência pública que estes, na situação, tenham que ter. Claro que este não era o Estado de Rousseau. Mas é este - o Estado deles - que os liberais conservadores nos atiram à cara.
A alternativa ao Estado é o não-governo. Cada um a fazer pela vidinha. Claro que a vidinha de uns não lhes permite que façam muito por ela. Mas a vidona de outros faz-se mesmo à custa destas disparidades. Ou seja, a situação de desregramento só desgoverna a vida de uns. Em contrapartida, outros governam-se justamente com o desgoverno.
Resta-nos sempre ir aprendendo com os obsessivos esforços educativos dos liberais, que sensatamente crêem que eles é que sabem como é que nós devemos saber e fazer. Todas as semanas, nas suas colunas de jornal, lá estão eles a ensinar-nos a pensar, a sentir, a comportarmo-nos, já tendo um chegado mesmo à maneira de nos vestirmos. Tudo muito liberalmente, claro...
António Manuel Hespanha
Historiador. In História, nº 69, Setembro, 2004, p. 82
Palavras dos outros: Mario Mesquita
A questão reside em saber se o socialismo democrático, quando se assume em termos de eficácia governativa, apenas pode constituir-se como versão moderada do receituário neo-liberal, ou se, pelo contrário, fará sentido reconstituir o espírito reformador da social-democracia europeia dos anos 60 e 70. Este debate não é nacional, mas europeu. Sinal disso são os rumores de cisão na social-democracia alemã, com vista a constituir uma nova formação de esquerda, com apoio das centrais sindicais. A "ala esquerda" do Partido Social-Democrata (SPD) alemão, com o antigo líder e ministro das Finanças, Oskar Lafontaine, na primeira linha, desceu à rua, ao lado dos sindicatos, a manifestar-se contra as medidas financeiras e laborais do Governo de Gerhrard Schröeder.
Certo é que, nesta Europa de 2004, para reavivar o espírito de Lord Keynes, a justiça social e a intervenção do Estado na economia, é necessário possuir alma de guevarista. Após a queda do muro de Berlim, o reformismo transfigurou-se, ficando, subitamente, revolucionário
in A Televisão Dentro do PS
Por MÁRIO MESQUITA
Domingo, 19 de Setembro de 2004, no Publico.
Abrindo os Blogs dos outros
Depois de cumprir o itenerário habitual pelos outros blogs, deixo-vos os textos em que me detive:
No Abrupto o JPP "casca" e com razão no jornalismo indigente que se vai fazendo por cá
Muito bom o artigo do Daniel Oliveira no Barnabé, sobre Socrates e o que dele podemos esperar: eis pois, a direita moderna ao jeito de Toni Blair
no "Causa Nossa" Vicente Jorge Silva da-nos as lições de uma vitória
E no "Estrangeiros no momento" o Rui Fernandes volta "a carga" com a infeliz entrevista de Agualusa, mas fala também de Woody Allen e Almodovar.
24.9.04
Deficit de análise
Sobre a escassez de análise e critica Economica em Angola, o Joe mandou-me este texto:
A notícia
A inflação em Angola ultrapassou em Agosto o objectivo fixado pelo governo angolano para o conjunto do ano, de 20 por cento, segundo dados revelados hoje pelo Instituto Nacional de Estatística (INE).
O índice de preços no consumidor evoluiu 1,6 por cento em Agosto, elevando para 21,53 por cento o aumento dos preços acumulado desde Janeiro, de acordo com aquela fonte.
Com o valor acumulado desde o início de Janeiro, foi ultrapassado o objectivo fixado pelo governo angolano para este ano, que previa uma taxa de inflação de 20 por cento, conforme consta do Orçamento Geral do Estado aprovado para 2004.
Em Agosto, as maiores subidas registaram-se nas classes de vestuário e calçado (4,27 por cento), hotéis, cafés e restaurantes (6,86 por cento) e mobiliário, equipamento doméstico e manutenção (1,75 por cento).
Apesar de já não ser possível cumprir a meta fixada pelo governo para a taxa de inflação deste ano, o aumento anual dos preços no consumidor em Angola tem vindo a registar acentuadas descidas nos últimos anos, numa tendência que deverá manter-se em 2004.
Em 2001, a taxa de inflação foi de 116 por cento, descendo para 105 por cento em 2002 para se fixar pela primeira vez nos dois dígitos em 2003, quando foi alcançada uma taxa anual de 76,5 por cento.
No final deste ano, o aumento do nível de preços no consumidor será inferior ao verificado no ano passado, estimando os analistas que possa pela primeira vez situar-se abaixo dos 50 por cento.
A elaboração da taxa de inflação mensal é feita com base em 12 classes e 24 produtos, sendo analisadas mensalmente cerca de 14 mil amostras de preços em vários mercados da capital angolana.
O comentário
Acredito que este Articulista deve ser um comentarista de futebol ou algo parecido. Como vês, o que aqui observamos é um artigo que não analisa nada... é uma constatação... um vómito.
O ´´sistema`` de transportes foi afectado com o aumento abrupto e desmesurado do preço dos combustíveis pela Sonangol-Governo. Só este facto (neste país produtor de Crude Oil ) é mais do que o suficiente para aumentar o índice de preços ao consumidor, uma vez que os transportadores aéreos, camionistas ou Kandongueiros, reagiram ao aumento, elevando os preços dos serviços.... E aí temos
Mais uma vez, o aumento do preço dos combustíveis foi justificado pelo aumento internacional do preço do Crude, ora esta justificação é absolutamente anacrónica por dois motivos:
1- Os custos de produção de Crude em Angola (pelo menos por enquanto) não aumentaram e a menos que Angola estivesse a comprar em Londres ou New York o crude que é enviado para a Refinaria de Luanda (o que até se sabe não ser verdade). Não há nem havia qualquer qualquer razão para o aumento atrás focado.
2- O aumento internacional do Preço do Crude (após o pedido da OPEP para Angola aumentar os níveis de produção), resultou em tremendos ganhos para o país, o que deveria permitir (e os economistas sabem isso) reduções proporcionais dos níveis inflacionários.
Estes temas como te dizia ontem, não são aqui analisados nem discutidos são apenas...regurgitados como qualquer notícia do futebol do Real Madrid, ou do Benfica de Portugal. Aliás, o futebol nos média de Angola tem espaço, não a análise económica seja ela macro, ou familiar.
Um abraço ,
Joe
20.9.04
Um mail do Many, que achei que valia a pena por aqui
O tamanho das desgraças actuais no globo é imensurável e as pessoas têm sofrido de todas as maneiras pelo globo. o mal está mesmo em nós. É bom que se mantenha na nossa folha - acima de tudo informativa - a variedade, mas que não nos tornemos intervencionistas, pois somos pequenos.
Many
19.9.04
First we must understand who we are and what we must do if we aspire to be moral agents, not servants of power
Noam Chomsky
Quando falamos em Humanidade estamos a falar de quem?
Chad refugee camp Geoff Crawford
Morning bath
Sudanese refugee children seven-year-old Guisama Djamal Ibrahim and three-year-old Araba Djamal Ibrahim take an early morning wash in Bredjing camp.
Quando falamos em Humanidade estamos a falar de quem?
De Guisama Ibrahim? De Araba Ibrahim? Dos n´dengues da banda esquecidos? De alguém que nunca vimos? De um rosto sem nome? De um homem sem corpo? De quem?
Assim não Habito
Horácio.
Darfur, Darfur
Thu 16 September, 2004 13:14 - Reuters:
STRASBOURG, France (Reuters) - Violence in Sudan's Darfur region is "tantamount to genocide", the European Parliament has said, supporting sanctions against Khartoum but omitting a call for an oil embargo.
A non-binding resolution, carried by 566 to 6 votes with 16 abstentions, echoed strong statements by the United States and went beyond the more cautious line of European governments.
Washington is seeking support for a U.N. Security Council resolution threatening an oil embargo against Sudan if it fails to disarm Arab militia or Janjaweed, accused of murder and rape in the remote Darfur region. Algeria, China and Pakistan oppose shutting down Sudan's oil industry.
"(The European Parliament) urges the Sudanese authorities to end impunity and to bring to justice immediately the perpetrators of crimes against humanity, war crimes and human rights violations which can be construed as tantamount to genocide," the resolution said.
The EU assembly supported an arms embargo against the Sudanese authorities and also called for the release of detained pro-democracy activists.
"(The European Parliament) calls on the U.N. Security Council to consider a global arms embargo on the Sudan and other targeted sanctions against those responsible for massive abuses of human rights and other atrocities," the motion said.
Rebels began an uprising in Darfur in February 2003 after years of skirmishes between mainly African farmers and Arab nomads over land and water. The government turned to the Janjaweed militias to help suppress the rebels.
The United Nations has estimated some 1.2 million people have fled their homes and up to 50,000 people have died from direct violence, starvation or illness in what it describes as the world's worst humanitarian crisis.
Darfur Genocide
Save Darfur
Assim não Habito
Horácio
18.9.04
Novo referendo? Cinco razões contra
Cinco razões para que me oponha a realização de outro referendo sobre a despenalização da interrupção voluntária da gravidez.
(1ª) Porque fui contra o primeiro referendo, que para mim foi um erro. Obviamente estou contra a repetição do mesmo erro. Porquê?
(2ª) Porque, o referendo foi um logro perpetrado por Marcelo Rebelo de Sousa que, sabendo que o "cristão" Guterres não iria defenderia a "causa" da despenalização e que a figura do mesmo Guterres, na altura, valia mais junto dos portugueses que o PS e PCP juntos, viu que bastava pois semear a polémica e a confusão para, de forma fácil, conquistar uma aparente vitória contra a esquerda.
(3º) Porque não houve sobre a matéria em causa, esclarecimento juntos das pessoas. A discussão foi rebaixada ao nível do SoundByte. A maior parte das pessoas, mal esclarecidas, foram referendar o seguinte: ser-se contra ou a favor de liberalização do aborto. O Referendo era, no entanto, sobre o fim da lei que penaliza com prisão as mulheres que voluntariamente interrompam a gravidez até as 12 semanas. Não há garantias de que noutro referendo as pessoas votassem de forma mais informada
(4º) Porque o parlamento tinha nessa altura legitimidade para decidir sobre o tema. Foi, nessa altura, uma opção do parlamento consultar a população. Essa opção passada não cria vínculos futuros. O parlamento continua a ter legitimidade para decidir futuramente sobre o tema. Não há absolutamente nada que o impeça. Até porque o referendo não foi vinculativo.
(5º) Finalmente, para mim, a melhor de todas as razões:
Ao abster-se do referendo, o que a maior parte do povo português disse - de forma, mais uma vez, sábia - foi que não se sentia esclarecido sobre a matéria e que, não querendo opinar sobre um tema sobre o qual estava mal informado, o remetia de volta para o Parlamento, esperando que este tivesse coragem de cumprir aquilo para o qual estava mandatado. Ou seja,a única conclusão legitima que se pode tirar do primeiro referendo é que o povo quer que seja o parlamento a decidir.Caberá assim aos deputados (aconselhados por quem quiserem: especialistas em saúde publica, por estudiosos da bioética, por juristas, constitucionalistas e quem mais for necessário), decidirem e votarem, em sede de parlamentar, uma nova legislação sobre a matéria.
Estas são as razões pelas quais estou de acordo, nesta matéria, com a posição de Helena Roseta e Odete Santos, entre outros: Outro referendo não precisa de ser feito. Não deve ser feito.
Directamente de Oxford, de ouvido e olhos cientificamente atentos, o David mandou-nos esta pérola:
18/09/2004, 00h11, SIC Notícias, comentário em directo "a sondagem sobre a eleição para líder do PS, analisando as várias categorias de eleitorado:
"Manuel Alegre tem maior penetração nas mulheres." (sic)
Ah, Poeta !
Comentário Abre-Surdo: penetrai poeta, penetrai
Thanks, Davas :-)
16.9.04
Sérgio Santos
É verdade, Sérgio Santos está de volta e novamente pela editora Biscoito Fino:
O disco chama-se Sérgio Santos, simplesmente. O cantor e compositor que se inspirou nos ritmos miscigenados da África-Brasil em seus dois últimos trabalhos, Áfrico (2001) e Mulato (1998), incorpora o samba em suas variáveis menos puristas, mais universais. Algo que Sérgio Santos faz, em sua própria confissão poética, com louvor. Sem alarde, como convém ao bom mineiro, como que Feito do nada: "Ah, eu faço samba é por louvor / não há no meu samba senão / o que sai do meu peito / onde o samba é senhor", explicita na faixa de abertura, dedicada ao parceiro Paulo César e a Maurício Tapajós.
...continua em Biscoito Fino.
Assim Habito
Horácio.
Para já importa apear Bush
Se eu fosse americano e o sistema eleitoral americano fosse mais democrático, eu votava em Ralph Nader, porque é mais arrojado, mais reformista, mais ambientalista, mais de esquerda que John Kerry. Mas como o sistema eleitoral americano é o que é, os 3 ou 4% dos votos que Nader poderá receber, serão inúteis. Assim sendo espero que ganhe Kerry. Não por ser o melhor candidato, mas por ser o único que está em condições de apear Bush e a sua sinistra administração.
Sucesso Catastrófico
Bush definiu os resultados das suas acções no Iraque como Sucesso Catastrófico:
In a Time interview published Sunday, Bush said the administration did not anticipate the nature of the Iraqi resistance. “Had we had to do it over again,” he said, “we would look at the consequences of catastrophic success, being so successful so fast that an enemy that should have surrendered or been done in escaped and lived to fight another day
Humor Abre-Surdo:Muitas vezes menosprezado como sendo um bronco com um QI algures entre o de IR Baboon e a Dedee, afinal Bush mostra verdadeiros dotes de erudição neste oximoro tão bem composto.
Bush afinal é um poeta. Um poeta sanguinário mas ainda assim um poeta.
Comentário (ainda não) muito sério: Não admira nada que esta “brava teoria” do sucesso catastrófico, venha a ser repetida e ressintonizada a escala nacional por alguns dos mais verosímeis sósias portugueses de Bush (Luís Delgado e Luís Filipe Pereira incluídos). Aliás as politicas económicas, de cuidados de saúde, de ensino, e de trabalho são alguns dos melhores exemplos nacionais do sucesso catastrófico.
desconhecem vida e obra de Agostinho Neto
Segundo o Site angolapress, vários jovens da cidade de Ndalatando, Kwaza-Norte desconhecem a vida e obra de António Agostinho Neto
Comentário Abre-Surdo: Não é preciso ir até ao Kwanza Sul: ali, pra zona do Futungo e mesmo em Luanda, na Cidade Alta, vários jovens dirigentes e outros não tão jovens, se um dia conheceram a vida e obra de Nguxi, há muito preferiram esquecer.
15.9.04
Vivemos uma crise habitacional?
Possuir habitação é, sem dúvida, tranquilizador; prédios habitacionais oferecem ao homem uma residência, um abrigo. Mas será que as habitações trazem nelas a garantia de que aí acontece o habitar? E o que dizer de uma auto-estrada, de um centro comercial, de uma ponte; e da falta de jardins nas nossas cidades, da falta de planeamento urbanístico, dos cemitérios de prédios acumulados uns em cima dos outros, etc?
O homem é à medida que habita. Ele constrói o seu lar, e este construir não é apenas um edificar construções, aedificare, como vemos nos dias de hoje, mas um cultivar (do latim, colere, cultura), um proteger, um ver crescer e cuidar do crescimento.
Parafraseando Heidegger: não habitamos porque construímos, no sentido de edificar, mas ao contrário. Construímos, cultivamos, e chegamos a construir à medida que habitamos, ou seja, à medida que somos como aqueles que habitam.
A essência do construir é deixar-habitar. Somente se formos capazes de habitar é que podemos construir.
A crise propriamente dita do habitar, o excesso de construções, edificações sem qualquer plano ambiental e paisagístico, é o sintoma de que homem tem de aprender primeiro a habitar.
Assim Habito
Horácio
14.9.04
Ainda acerca de Agualusa...
Podemos dizer que o niilismo, de uma forma simples, se caracteriza pela questão:
“Para quê? Nada vale a pena!”, ou “Tudo é vão”. Se é verdade que tudo é em vão, se não há nem móbil nem fim, a permanência torna-se o pensamento mais paralisante que há, sobretudo quando nos sentimos iludidos e sem a força necessária para não nos deixarmos iludir.
“Breviário do niilista:
O medo, logo que descobriu a falsidade de tudo; sentir-se vazio, sem pensamento, com paixões fortes, em torno de objectos sem valor; espectador de movimentos absurdos, tanto pró como contra; supor-se arrogante, sarcástico, pretendendo ajuizar-se friamente” A Vontade de Poder, Nietzsche.
Não sei porque motivo, ao ler a entrevista de Agualusa no jornal Brasileiro, Época, tive a sensação de ela ser em vão. E que apenas estive a perder o meu tempo com alguém que não sabe do que fala.
"Sobre o que não podemos falar, devemo-nos calar"
Wittgenstein Ludwig
Horácio.
Sobre a entrevista de Agualusa e os seus comentários a Saramago.
O Horácio publicou uma passagem da entrevista de Eduardo Agualusa na revista Época em que, em termos bastante críticos, se referiu a Saramago (ver post abaixo).
Nesse trecho há 4 níveis de afirmações criticas que convém analisar:
1ª “Não gosto dele”.
2ª “Saramago cultiva o niilismo. É um pessimista que não acredita na vida e seus livros são contaminados pelo desencanto.”
3ª “Em seu último livro, Ensaio sobre a Lucidez, Saramago faz a defesa do voto em branco, o que é ridículo, pois ele se candidatou como deputado pelo Partido Comunista. José Saramago é vítima da própria descrença”.
4ª “É um velho”.
Relativamente a primeira afirmação “Não gosto dele”.É logicamente a mais fácil de comentar:
Se pensarmos em termos meramente estéticos ou temáticos, gostar ou não gostar está no direito de cada um. Como diz o amigo Vítor Hugo, gostos não se discutem, lamentam-se.
O problema para mim, é que no contexto em que o diz, não fica claro se é apenas da escrita de Saramago que Agualusa não gosta. Parece haver uma crítica ao homem e no entanto, o homem Saramago, não devia ser para aqui chamado, nem posto em causa.
Quanto ao segundo conjunto de afirmações:
Comecemos pois pelo significado de niilismo:
Se procurarmos o termo num dicionário veremos que vem do Latim: nihil = nada, redução ao nada; descrença absoluta;
Numa enciclopédia encontraremos:
- doutrina política russa que recusava toda e qualquer imposição social e que defendia que o progresso da sociedade só seria possível após a destruição de tudo o que socialmente existe;
- doutrina segundo a qual não existe nada de absoluto (inexistência de realidade substancial) nem possibilidade de conhecimento do real e que, por isso, se caracteriza por um pessimismo metafísico e por um cepticismo relativamente aos valores tradicionais (morais, teológicos, estéticos)
Recorro ainda a “sapiência” do nosso Horácio, que, espero, me perdoará a maneira simplista como o cito de ouvido:
-O termo niilismo quando, usado por Nietzsche, corresponde ao movimento de negação (ie mata Deus- Deus representando o mundo dos valores), mas não cria nada, todos os valores são apenas a negação de valores passados. Niilismo seria uma força destrutiva.
Perante isto, pergunto-me aonde está esse niilismo que Agualusa vê em Saramago?. Quanto a mim não há niilismo nem no escritor, nem no homem. Basta ler “Levantados do Chão” para perceber isto. Poderá de facto haver em Saramago algum desencanto, percebido nos livros mais recentes. Mas o que há sobretudo, é amargura e angustia. Amargura de quem se sente desagradado e impotente perante o caminhos do mundo actual. Angústia própria de quem “está vivo”, própria de um humanista. Não há pessimismo. Saramago é pois “um homem de fé” (parafraseando de novo o Horácio). Fé no homem.
Depois, Agualusa faz eco, mais uma vez, das críticas que muito se ouviram nos últimos tempos: Saramago não era coerente por defender o voto em branco, no livro “Ensaio Sobre a Lucidez”, tendo sido candidato a deputado (salvo o erro euro-deputado) pelo PCP.
Em vários jornais, vários intelectuais (sobretudo de direita) atiraram-se a Saramago com estes argumentos.
Convém no entanto realçar que O “Ensaio Sobre a Lucidez” é uma obra de ficção.
Parafraseando o saudoso Lino de Carvalho “. É uma história bem imaginada, de grande criatividade, que prende o leitor pelo imprevisto, pelo ritmo da escrita mas também porque vai ao encontro das perplexidades, das dúvidas, do desencanto que hoje atravessam, mesmo que subconscientemente, muitos e muitos milhares de cidadãos que não se revêem no funcionamento do sistema de representação institucional existente nem se revêem em nenhuma das forças políticas que se lhes apresentam nos actos eleitorais”.
Ou seja é uma história nada própria de um niilista e tampouco de um comunista, digo eu. Mas Saramago é antes de mais um escritor.
Não sendo “O Ensaio Sobre a Lucidez” um ensaio politico ou filosófico, porque “carga de água” tinham Saramago de ser coerente? Esta distorção quando proferida por Agualusa, apenas torna “a coisa” menos desculpável, pois também ele é um ficcionista e algumas vezes o ouvi defender, correctamente diga-se, o direito do autor de inventar histórias de ficção, libertadas das correntes da realidade.
Será então que o “autor” de ficção Saramago, por ser também o “homem” Saramago de fortes convicções políticas não tem já o direito de se libertar das correntes da sua própria realidade quando cria?
Há ainda o pormenor de Saramago nunca ter sido realisticamente candidato a nada. Esclarece-se: por solidariedade com o seu partido, fazia parte de uma lista de candidatos a deputados, mas, e por sua vontade, em lugar não elegível. Esta questão não devia sequer ser tema de critica pois, como diz, mais uma vez, o Horácio “falem da escrita dele, não dos acidentes”.
Por último a ultima afirmação: “é um velho”. Proferida em tom claramente depreciativo.
O que significa isto: Ser um velho?
Na sociedade ocidental, o velho, o idoso, é tratado como alguém que está à mais. Alguém que é um empecilho, para as famílias porque já não têm autonomia, para os governos porque representam custos (na saúde, nas pensões de reforma, etc.) e para os jovens, porque são lentos e desadaptados da velocidade mundo tecnológico actual.
Nas sociedades tradicionais, em Africa, em Angola, ser velho significa ser-se sábio. O velho é aquele que dá conselhos, é aquele que conhece a tradição, que conhece as curas para as maleitas, aquele que é escutado pelos homens e pelos miúdos.
O sentido em que proferiu a frase “é um velho” foi claramente ocidental e parece-me então que o escritor angolano Agualusa foi muito pouco africano, nessa afirmação. O que está em clara contradição com o resto da entrevista. Não é uma crítica, apenas uma constatação.
Lembro-me de uma música de Caetano Veloso, com um poema lindíssimo sobre o homem velho.
Acabo finalmente nos mesmos termos com que Agualusa se refere a Saramago: Agualusa pode ser um bom escritor. Alguns gostarão dele, outros não. Eu até sou dos que costuma apreciar a sua escrita. Quanto ao homem, que não conheço, não me atrevo a tecer considerações. Ainda assim, acho que esteve muito infeliz nestas referências a Saramago.
PS – Continuo a preferir os escritores velhos. E, já agora, gostar do “velho” Saramago, de forma alguma me impede de gostar do “velho” Lobo Antunes.
13.9.04
Cada um que faça o seu voto
Entrevista ao escritor Agualusa a um jornal brasileiro,Época:
“…O maior escritor lusitano da actualidade chama-se António Lobo Antunes. Ele é difícil em sua linguagem cheia de metáforas, é mesmo exagerado e sombrio, mas, no meio de extensas zonas de sombra, encontram-se golpes luminosos.”
ÉPOCA - Por falar nisso, você não citou o Nobel José Saramago. O que você acha dele?
Agualusa - Ele pode ser um grande escritor. Memorial do Convento é um excelente romance. Mas não gosto dele. Saramago cultiva o niilismo. É um pessimista que não acredita na vida e seus livros são contaminados pelo desencanto. É difícil escrever quando se descrê completamente da vida. Um grande romance deve ser feito com raciocínio, mas também com paixão, as vísceras e o coração. Em seu último livro, Ensaio sobre a Lucidez, Saramago faz a defesa do voto em branco, o que é ridículo, pois ele se candidatou como deputado pelo Partido Comunista. José Saramago é vítima da própria descrença. É um velho.
agradecimento ao Aviz.
Horácio
Abril Despedaçado
Sinopse do site oficial:
"Abril Despedaçado é livremente inspirado no livro homónimo do escritor albanês Ismail Kadaré. A adaptação para o cinema foi realizada por Walter Salles, Sérgio Machado e Karim Aïnouz, e as filmagens aconteceram entre Agosto e Setembro de 2000 nas cidades de Bom Sossego, Caetité e Rio de Contas, interior da Baia.
Como em Terra Estrangeira e Central do Brasil, Abril Despedaçado reúne em seu elenco actores profissionais e não-profissionais. Na preparação dos actores, Walter Salles contou com a colaboração do director assistente Sérgio Machado e do ator Luiz Carlos Vasconcelos. A direcção de fotografia é de Walter Carvalho e a música de António Pinto, com a colaboração de Ed Côrtes e Beto Villares, e a participação especial de Siba, do conjunto pernambucano Mestre Ambrósio."
Para além da maravilhosa fotografia, se calhar até um pouco excessiva, é um filme cheio de silêncios com uma ternura ensurdecedora. Vive-se o tempo. Sente-se o devir. Exalta-se os sonhos. Celebra-se amizade, a busca do outro, a alteridade; onde a morte da inocência é o despertar.
Assim Habito.
Horácio
12.9.04
Juizes Federais
Bush nomeou juizes federais,segundo ele "excepcionais pelo humanitarismo" e grandes defensores dos direitos básicos americanos.
Veja aqui qual o conceito de "humanistarismo" e "justiça" desses juizes
Comentário:
Bush tem neste momento, segundo ouvi, 52 % das intenções de voto. A estratégia continua a dar resultados:O povo é embebedado com o discurso do medo e da ameaça terrorista contra a nação. Os média amplificam o discurso, pois o medo vende. Com isso, o povo passa a reagir instintivamente. Não há mais nada, a questão do desemprego deixa de ter importância, a saúde, os tribunais, os impostos também. E assim Bush continua a poder levar avante o plano delineado pelos radicais da direita mais sinistra dos EUA.
Não tendo absolutamente nada feito internamente de que se possa gabar ao longo de quase 4 anos, pode-se apostar que, a medida que período eleitoral se aproximar, o discurso do medo vai aumentar de intensidade.É a unica estratégia que Bush tem para ganhar.
Puro Sadismo
Notícia do EXPRESSO Online:
A quase totalidade dos presos iraquianos da cadeia de Abu Ghraib vítimas de sevícias de tropas dos EUA eram detidos de delito comum, revelou quinta-feira uma comissão independente norte-americana. Quer isto dizer que, os prisioneiros nada podiam revelar de útil aos militares.
O presidente da comissão de peritos, James Schlesinger, garantiu à comissão de Forças Armadas do Senado que «a maior parte das fotos que foram divulgadas mostram criminosos». A revelação gerou polémica e algumas questões junto dos senadores.
O democrata Joseph Lieberman foi uma dessas vozes. «Se não era para obter informações, para quê lançar os cães contra eles, para quê os meter com trelas, porquê pedir-lhes para se despirem?», questionou. A resposta do perito independente foi reveladora: «Em alguns casos, por puro sadismo».
O escândalo naquela prisão de Bagdad ganhou proporção em Abril passado, tendo sido apurados 44 casos de sevícias denunciados, 13 dos quais quando decorriam os interrogatórios. A comissão senatorial detectou ainda que o responsável pelas operações no Iraque, general Ricardo Sanchez, deu aval a 12 técnicas não autorizadas para aplicar no Afeganistão e cinco outras na base naval de Guantanamo, em Cuba.
Amilcar Cabral
Amílcar Cabral, para mim o mais brilhante dos líderes independentistas da Africa Lusófona, faria hoje 80 anos
Não sou de ligar muito a aniversários.
Neste caso, aproveita-se a data para redescobrir o homem, as suas causas e os seus sonhos.
Hoje, ás 21h10 na RTP Africa passa um documentário. Pelos vistos a direcção de programas da RTP não achou que a dimensão universal de Cabral fosse suficiente interessante para os portugueses para merecer a passagem do mesmo na RTP1, que a essa hora estará a transmitir My Fair Lady de Felipe la Féria.É Pena.
Não há muita coisa sobre Cabral na net e a maior parte resume-se ao básico - a biografia resumida. Faltam sobretudo os escritos e os discursos.
Ainda assim ficam aqui 2 sites:
www.ccny.cuny.edu/
http://www.vidaslusofonas.pt
Barnabé
Há 1 blog que visito todos os dias, ou pelo menos sempre que me encontro na net. Chama-se Barnabé e fez na sexta_feira (dias 10/09) um ano de existência. Parabéns.
A Estetização do Horror, Por ANTÓNIO PINHO VARGAS
Ainda que atrasado, não podia deixar de publicar este texto que o Maestro e Compositor António Pinho-Vargas escreveu há uns dias no jornal "O Público".
A Estetização do Horror
Por ANTÓNIO PINHO VARGAS
Domingo, 05 de Setembro de 2004
Ontem [dia 3 de Setembro] fiz um esforço para chegar a casa a tempo de ver as notícias às 8 horas sobre o desenlace do assalto terrorista na Rússia. Ia pensando no caminho que o tempo da guerrilha "heróica" de Guevara ou do Vietname tinha acabado há muito, que as lutas contra as potências pela via terrorista tinham chegado a níveis de inumanidade bárbaros e que, com Putin, as respostas eram sempre brutais e trágicas, com muitas vítimas inocentes. Vi as notícias, as imagens de terror, tirei as conclusões que pude mas no final vi outro objecto digno de análise. Antes de avançarem para outros assuntos do dia, a SIC e a TVI - não vi na RTP - passaram resumos de 30 ou 45 segundos do já mostrado. Sem palavras e com música. Este momento realiza a passagem para a estetização do horror.
Não acrescenta nada às notícias, mas configura um formato determinado dos media. Num caso com música lúgubre, próxima das atmosferas mais sinistras de Bruckner, com incidência no plano da menina loira dentro de um carro, no outro, com música mais dissonante e rítmica, no estilo dos herdeiros modernos de Stravinsky dos filmes de acção de Hollywood: planos de automóveis e ambulâncias a grande velocidade, soldados ou pais a correr com crianças mortas ao colo.
Escrevo e é-me insuportável o que escrevo. Tento descrever o que vi e ouvi mas a minha descrição ofende-me. O resumo que estetiza o horror desloca-se do simples registo noticioso para o do videoclip da catástrofe. Lembrei-me de um amigo me ter dito que, na guerra de Angola, a coisa mais estranha para ele era a guerra verdadeira não ter música de fundo. Esta falha grave da realidade estará em parte já resolvida com a possibilidade do uso de auscultadores dentro dos capacetes; como, no filme do Moore, o daquele piloto do tanque americano no Iraque que, em plena acção, está a ouvir um rock adequado: "Let them burn". Nada me garante que os membros da Al-Qaeda, na sua mistura peculiar de fundamentalismo pré-moderno e sofisticação tecnológica não usem Portable CD Players com os mesmos objectivos.
Que audio-mundo é este que estamos a fazer?
Músico, compositor
10.9.04
Quintal do Semba
Hoje recebi, por correio, do camba Fbonito, o DVD Quintal do Semba. Gravado e filmado em Angola, ao vivo, nos Estúdios da Rádio Nacional, reunindo alguns dos melhores, mais genuínos e honestos músicos angolanos do presente (Carlitos Vieira Dias, Moreira Filho, Paulo Flores). Este DVD é também e, necessariamente, uma celebração da música e da vida dos mestres Liceu Vieira Dias, Fontinhas, Belita Palma, Elias Dia Kimuezo, Kituxi, Alba Clington, Lilly Chiumba, Lurdes Van Dunem, Artur Nunes, Kiezos.
O DVD foi filmado em película, por uma equipa de técnicos brasileiros e angolanos. Destaco o concerto ao vivo, o documentário com o testemunho dos músicos actuantes, o making of e as imagens de arquivo dos N´gola Ritmos.
É para mim uma grande felicidade ver que finalmente começa a ser dada à música e aos melhores músicos angolanos a dignidade que merecem. Já não era sem tempo.
Obrigado pela prenda Fernando.
PS- Angela Mingas, que eu não conhecia é para mim uma revelação. Excelente a sua interpretação de Nguxi, musica de Belita Palma. Afirmo aqui para que fique registado: grande voz, estupenda presença em palco. A seguir com muita atenção.
9.9.04
Fraldas
O senhor, que responde pelo nome de Francisco Coelho Rocha e ao que parece é o presidente de uma Associação Portuguesa de Maternidade e Vida (APMV), com sede em Paredes, distrito do Porto, afirmou há uns dias que “desde 1998, data da realização do referendo sobre o aborto, foram criadas em Portugal 25 associações que apoiam grávidas e mulheres que abortaram e que estas providenciam ajuda psicológica mas também monetária na compra de fraldas e roupa de bebé. Não há qualquer motivo para as mulheres abortarem, uma mulher que é pobre não fica mais rica por abortar".
A mesma organização veio agora pedir a prisão da presidente das Women on Waves por o site desta organização divulgar um método abortivo.
Comentários Abre-Surdos para uma notícia rídicula:
1º Julgo que o “amigo” Coelho Rocha nem deve saber bem o que é um site ou o que é a Internet. Desconfio aliás que o unico Sítio (site) que o Coelho conhece, é o sitio do pica-pau-amarelo, onde frequentemente era atirado pra panela pela Cuca.
2º Figuras, como Coelho Rocha e o Secretário de estado dos assuntos do mar, Nuno Thomaz, são “raridades” que têm um motivo muito forte para estar contra a despenalização do aborto voluntário: É que ainda têm o instinto de perceber que se ele fosse permitido, a variante mutante a que pertencem entraria rapidamente em extinção.
3º Quanto a questão da ajuda psicológica e fraldas, penso que é algo que também devia ser fornecido ao “amigo” Coelho Rocha pois, ou muito me engano ou, esta variante de Lamelibrânquio ainda não conseguiu adquirir o controlo dos esfíncteres.
8.9.04
Bush no seu melhor (não é anedota)
Segundo a agência Reuters, encontrava-se Bush a discursar num local do Missouri chamado Poplar Bluff, quando na tentativa de criticar o excesso de processos contra médicos e hospitais, se saiu com esta:
"We've got an issue in America. Too many good docs are getting out of business. Too many OB-GYNs aren't able to practice their love with women all across this country."
Traduzindo a ultima frase: demasiados ginecologistas estão a ser impedidos de praticar o seu amor com mulheres de todo o País.
Isto não é uma anedota, ide ver:
http://www.reuters.com/newsArticle.jhtml?type=topNews&storyID=6168625
Alguém me explica o que este homunculo tem na cabeça?
Eis aqui o meu comentário pseudo-psicanalítico, totalmente desapropriado e muito, muito feio:
-hummmmmm, detecta-se uma certa benevolência com os ginecologistas, será que Bush apenas deixou escapar uma fantasia sexual? A senhora Bush deitada numa mesa ginecologica....enfim, este tipo de fantasia parece encerrar uma certa mansidão, um certo desejo de cornitude, não é o tipo de fantasia que se esperaria de um cowboy valente. Sinceramente
7.9.04
... o Ser e o Nada são amigos
(...)
Se alguma dialéctica me resta, ela é instável e inominável: inacabada. O seu segredo é a ambiguidade, a coabitação e concomitância dos meus extremos. É neste movimento que habito, é neste solo ante predicativo onde o meu corpo vive, aberto ao mundo. A opacidade e a contingência fazem parte do seu mistério. Antes de o pensar, o sinto.
Nunca gostei de “dialécticas embalsamadas”, doce expressão de Ponty. Quem disse que o pensamento não tem sabor? Quem disse que a consciência não tem tempo? Que os conceitos não têm cheiros? Que existe mundo para aquém da experiência?
Inventam-se categorias para fugir ao vazio; o horror ao nada ainda nos aflige.
Em mim, no meu corpo, o Ser e o Nada são amigos.
(...)
obs: retalho de um escrito a publicar.
Assim Habito
Horácio.
6.9.04
Gary Burton, Generations, concord records 2004. Há músicos e compositores, raros, que têm a capacidade de fabricar música capaz de nos elevar para um estado de felicidade inexplicável, que nos forçam a ter um olhar inesperadamente optimista sobre a vida, remetendo-nos para a imediata consciência da felicidade de se estar vivo e ser-se sensível a arte.
Gary Burton – “Generations”: Geração Generosa
Um indefinido harpejo de piano e, atrás, os pratos iniciando uma condução leve, como um pára-brisas limpando os nossos olhos numa manhã de nevoeiro, dando brilho. Nove segundos depois, eis que entra agora uma guitarra tranquila, “escrevendo” por cima da abstracção inicial, Três acordes aparentemente simples, quase infantis. Quando, ao 25º segundo a melodia é apresentada, impossível não sorrir, mais ainda se tivemos a sorte de, apenas por acaso, ter escolhido esta música para começar o dia, bem cedo, ainda o sol, dorminhoco parecia bocejar. Assim é a primeira musica do último disco de Gary Burton – Generations. Chama-se “First Impressions” e que boa primeira impressão causa, sem duvida.
Gary Burton – o vibrafonista mais talentoso da sua geração – faz-se acompanhar neste disco por um grupo de jovens talentosos:
Makoto Ozone, pianista companheiro de Burton já de muitos discos, além de providenciar um suporte harmónico consistente, consegue com subtileza encontrar no meio do vibrafone e da guitarra o seu espaço e mostrar-se cada vez mais uma certeza. Com ele, traz a sua secção rítmica que é uma das mais interessantes dos últimos tempos:
O baixista James Genus e o baterista Clarence Penn, ambos integrantes do Trio de Makoto Ozone e do Quinteto de Dave Douglas Douglas (grupo do qual também pretendo falar brevemente). Na minha opinião, esta dupla poderá brevemente ascender ao estatuto mítico e vir a pertencer ao restrito role das grandes secções rítmicas desta música que chamamos Jazz (Paul Chambers/Jimmy Cobb, Ron Carter/Tony Williams, Dave Holland/Jack DeJohnette, Billy Higgins/Gary Peacock)
Quem, para mim, eleva este disco a mais do que meramente bom, a cereja em cima do bolo é o jovem guitarrista e compositor, Julian Lage. Quando se ouve Lage pensa-se imediatamente em Pat Metheny. Há razões para isso pois ambos mencionam ter como maior influencia Jim Hall. Outra coincidência é que também Pat era ainda adolescente quando se estreou no grupo do Gary Burton. Atrevo-me contudo a pensar para comigo, se Lage não terá já uma dimensão, uma sensibilidade, uma capacidade de contenção que Pat só alcançou após muitos anos. Se assim for, tem toda a lógica pois Metheny não pôde ouvir-se a si próprio com mais 20 anos. Lage tem assim a vantagem de ter podido ouvir Metheny e depois, bastou ter capacidade para conseguir, dessa audição, distinguir o essencial do meramente acessório (o que não é pouco, diga-se).
De Gary Burton, não há muito a dizer: grande líder, grande improvisador, grande professor, grande pedagogo.
Quanto as composições, Lage assina três temas: a tal belíssima “primeira impressão”, o segundo tema, um tango jazzistico elegante e eloquente e por fim uma balada lírica ao melhor estilo de... Pat Matheny. Há também dois temas originais de Makoto Ozone: um sofisticado blues e uma baldada que flutua graciosamente por entre rítmicas “Piazzolianas”. Os “velhos amigos” Carla Bley, com um bebop inflamado e Steve Swallow com uma composição bem latina, com montuno de piano e tudo fecham o “set”.
O resultado final é disco muito melhor que o “Like Minds”, disco em que Gary se limitou a ir buscar um "all–star" de músicos renomados (Pat Matheny, Chick Corea, Roy Haynes e Dave Holland) e algumas das composições mais importantes destes. Prova-se mais uma vez assim, a vantagem do trabalho de conjunto, humilde e continuado sobre o encontro esporádico de génios em competição.
Em resumo uma disco excelente, com composições escolhidas a dedo e interpretadas por um grupo de músicos daqueles que nunca trocam sensibilidade por mero virtuosismo e que possuem uma generosidade e cumplicidade profundas.
PS: Seguir com atenção, o Trio de Makoto Ozone e o jovem compositor/guitarrista Julian Lage.
António Nóbrega e a Flecha Mané (Garrincha)
O Fbonito trouxe aqui um excelente texto de Arnaldo Jabor, em que falando de Pelé e das memórias de infância, falava também da sensação de "estar de fora", e de inesperadamente ser-se testemunha consciente do “milagre” da Arte, que acontece a qualquer momento, em qualquer palco inesperado.
Como a inspiração do texto era Pelé, eu que também não sou especialista em futebol, lembrei-me imediatamente de uma letra, um poema de Wilson Freire, chamado Flecha Fulniô, sobre outro artista, outro herói dos palcos do povo, este com um fim mais trágico: Garrincha.
Eis alguns dos versos:
Sumaúma grande
Brotou curumim
Ave miúda
nasceu passarim
Sangue Fulniô
Pegadas toré
um arco no corpo
a flecha Mané
Fogo na galera
delira a aplaudir
um anjo torto
barroco a sorrir
Malasartes do jogo
Driblando zagueiros
um bobo pra corte
um herói brasileiro
O poema foi musicado e faz parte da excelente opereta/disco “O Marco do Meio-Dia” de António Nóbrega.
Neste disco, inspirado no poema “martelo do marco do meio-dia" de Ariano Suassuna, Nóbrega aborda não só a(s) (re)descoberta(s) do Brasil como momentos, temas e personagens importantes da história brasileira como: Zumbi (do kilombo dos palmares), a mestiçagem, o sincretismo religioso, o Aleijadinho, o Bispo do Rosário e, ao rítmo de frevo, Flecha Fulniô, que celebra o mito Garrincha referindo-se à ascendência (da tribo) indígena do idolo futebol brasileiro.
Nóbrega é (mais) um músico brasileiro não apenas excêntrico mas extraordinário e, de alguma forma, o equivalente pernambucano do baiano Tom Zé. Investe nos mais diversos formatos da música de sua região, partindo algumas vezes da criação popular pura com rítmicas inspiradas em Jackson do Pandeiro, falando de "siri jogando bola", como na composição homônima de Luiz Gonzaga e Zé Dantas e recriando a atmosfera das bandas de pífanos que povoam o interior nordestino.
Tem um site muito bom, onde é possível conhecer o artista, seu percurso, sua discografia e até ouvir um trecho de todos os temas dos discos que gravou, incluindo Flecha Fulniô.
http://www.antonionobrega.com.br/
5.9.04
Beslan, Ossetia do Norte, Russia
Estive “ausente” por um par de dias, que coincidiram com o desenlace trágico na escola na Ossétia do Norte.
Porque não me ocorre dizer nada que valha a pena ser dito e que outros já não tenham dito, quer sobre os terroristas quer sobre a actuação de Putin e suas forças, remeto quem estiver interessado, para alguns dos artigos e posts que achei mais interessantes sobre a matéria:
http://news.bbc.co.uk/1/hi/world/europe/3624716.stm
http://barnabe.weblog.com.pt/arquivo/146809.html
http://barnabe.weblog.com.pt/arquivo/147165.html
2.9.04
1.9.04
Como posso eu existir entre os homens?
Meus irmãos, não o dissimulemos: a ciência ou, para ser mais sincero, a paixão pelo conhecimento, existe; é um poder enorme, novo crescente, como nunca vimos outro igual; ela é: as asas da águia, os olhos da coruja, os pés do dragão. Ela é até tão forte, que se olha a si própria como um problema e pergunta a si mesma: “ Como posso eu existir entre os homens? Como poderá o homem existir doravante sem mim?”
Nietzsche, Vontade de poder, vol.1, cap.II-21, Rés
obs: para o meu camba Sacha,um homem de ciência, com um sorriso.
Assim Habito
Horácio